quarta-feira, 20 de setembro de 2017

4270) Palavras do dicionário paraibano (20.9.2017)



Quando falamos em linguajar regional, geralmente pensamos em palavras específicas de uma parte do Brasil . “Oxente” é nordestino, “bah” é gaúcho, “porreta” é baiano, “uai” é mineiro e assim por diante.

Outro aspecto, também muito comum, é que uma mesma palavra, de uso geral, seja dita com um significado num lugar, e com outro significado numa região diferente.

VEXAME
Acho que já falei nesta coluna sobre a palavra “vexame”. No Sudeste, ela é usada como sinônimo de “constrangimento, vergonha”: “Passei o maior vexame no restaurante porque meu cartão apareceu como bloqueado”. No Nordeste, usamos com mais frequência como sinônimo de “pressa”: “Deixe de vexame porque ainda falta meia hora para o banco fechar, vai dar tempo”.

MALA
Outro termo que às vezes gera malentendidos: “mala”. No Rio, um sujeito mala é um chato-de-galochas, um cara insuportável, sentido reforçado na fórmula intensificada: “Fulano é um mala sem alça”. Em Campina Grande, pelo menos, “mala” é sinônimo de “malandro, esperto”, e muitas vezes é usado como elogio: “O atacante foi muito mala, bateu a falta depressa e pegou a defesa deles aberta”.

EMBALAGEM
Veja outro termo interessante: “embalagem”. Na Paraíba, pelo menos, não é apenas sinônimo de “papel de embrulho, invólucro”, e sim de “embalo, impulso, momentum (massa x velocidade)”.  “O motorista até tentou frear, mas o caminhão vinha numa embalagem muito grande e acabou virando por cima do muro da casa.”  Também se usa “aproveitar a embalagem” no sentido figurado, equivalente a “aproveitar que está com a mão na massa”:   “Já que você está lavando a cozinha, aproveita a embalagem e lava também o banheiro”. Nesse sentido, quem e de fora deve interpretar a palavra como se fosse “embalo”.

ENGUIÇAR
No Brasil inteiro enguiçar é “dar defeito, pifar” – aplicado a máquinas e motores em geral. No Nordeste, enguiçar é passar andando por sobre o corpo ou as pernas estendidas de alguém que está sentado no chão.  Diz a superstição popular que quando isto acontece a pessoa que foi “enguiçada” não cresce mais. Acredita-se que para anular o efeito basta “desfazer” o ato, passar de trás para diante.  “--Ei!  Que história é essa de vir entrando e enguiçar a gente?  Pode voltar, e desenguiçar!” Também já vi ser atribuído ao ato de “enguiçar” o poder de cura contra mau-olhado.  “Esse menino só vive doente ultimamente!  Tá bom de alguém enguiçar ele, isso deve ser mau-olhado.”

E ali com um punhal
Para Adriano avançou
Mas Adriano ligeiro
Por cima dele saltou
Então quando o enguiçava
Mesmo no vão lhe cravou.
(Expedito Sebastião da Silva, folheto “Adriano e Joaninha”)


ARRUMAR
Diz-se no sentido de “arranjar, conseguir”.  "Me arruma aí um dinheiro, que eu deixei a carteira em casa".  "Vou falar com meu tio para ver se ele me arruma um emprego na Prefeitura."  "Ele foi passar as férias no Rio e acabou arrumando uma noiva."

CAÇAR
Parece ser um arcaísmo no sentido que descrevo aqui, o de “procurar”. É geralmente usado por gente iletrada ou gente bem do interior rural.  “Desde hoje que eu estou caçando meus óculos e não sei onde botei.”   “Fulano está caçando emprego desde o fim do ano passado.”   É linguagem bem característica de “gente do mato”. 

CARREGAR
Não é apenas “dar carga” (“Preciso lembrar de carregar o celular antes de sair”). Usa-se mais como “levar embora”, no mesmo sentido em que se usa dizer “Vá para o diabo que o carregue”: “Quem foi que carregou meu guarda-chuva, que eu deixei aqui junto da porta?”  « Cuidado com esses meninos brincando soltos na rua, um dia aparece um tarado e carrega um! » 

DOIDINHO
É o que chamam de “bobo” no Rio de Janeiro. No futebol, brincadeira em que um grupo de jogadores troca passes entre si, enquanto um deles, escolhido por sorteio, tenta apoderar-se da bola; quando o consegue, o “doidinho” passa a ser o jogador que perdeu a bola para ele.  Também se diz “zorra”.  Usa-se também como termo de comparação: “Eu não sei pra que escalaram Fulano como centroavante: a defesa dos caras passou o jogo todo fazendo doidinho com ele.”

RAZÃO
Usa-se muito no Nordeste como sinônimo exato de "arrogância, prepotência": "Ei, que razão é essa?  Quem é você pra vir me dar ordens?"  "Fulano é muito engraçado: a gente faz o trabalho todo, resolve todos os problemas, aí quando é depois ele chega, com a maior razão do mundo, botando defeito em tudo."  É mais frequente na expressão "cheio de razão": "Estava tudo muito tranquilo, mas de repente chegou um cara todo cheio de razão, dizendo que era amigo do dono do bar e que aquela mesa era dele."  

BONDADE
Assim como “razão” é usado com viés negativo, o mesmo se dá com “bondade” em certos contextos. Quando se quer dizer que um indivíduo é humilde, pacato, não quer ser melhor do que ninguém, diz-se: “Fulano me surpreendeu, é uma pessoa sem bondade, conversa com todo mundo, trata todo mundo como igual”. O sentido subjacente é que o sujeito não pretende ser “mais bom” do que ninguém.