quarta-feira, 9 de março de 2016

4071) "Good Omens" (10.3.2016)



Produzir um romance escrito a quatro mãos por Neil Gaiman (o criador de Sandman) e Terry Pratchett (o criador de Discworld) é um pouco como conseguir uma turnê mundial de vários meses juntando duas grandes bandas de rock. A questão não é tanto se os dois têm talento, é como fazer para que as coisas que cada um sabe fazer melhor possam sobressair, e deixar impressão mais forte do que a impressão de tédio inevitavelmente produzida pelos longos períodos em que apenas uma faixa da audiência estará sendo satisfeita e subindo pelas paredes, e os 90% restantes do público estejam achando aquilo sem pé nem cabeça e perguntando: “Mas o que diabo isto está fazendo aqui, e com que função?”.

Este romance em parceria é uma recontação da história famosa de Damien (do filme Omen, a Profecia), o novo Anticristo, a quem cabia nascer na família de um cônsul norte-americano (deixando-o a um grau de acesso ao poder), protegido por um mastim infernal, e tornando-se o desencadeador do Armagedon. No romance picaresco de Gaiman/Pratchett, dá-se a obrigatória troca de bebês. Parece que nem a introdução dos clones no século 21 fez os roteiristas pararem de escrever sobre troca de bebês.  E o Anticristo vai parar numa família totalmente diferente.

O humor do livro, que envolve tudo quanto é categoria religiosa e hermético-oculta, é uma espécie de O Pêndulo de Foucault com material mais light mas com ambições dramatúrgicas mais amplas. Trata-se, afinal, do Fim dos Tempos, conduzido pelo Anticristo e pelos Quatro Cavaleiros do Apocalipse. Claro que há agentes do Bem e do Mal com variados motivos para sabotar o evento (“Não Vai Ter Armagedon!”). Por sorte, dois dos mais entusiasmados defensores da pecadora humanidade são um demônio (Crowley) e um anjo (Azirafale) que conviveram conosco tempo bastante para entenderem que a vida dos seres humanos de carne e osso é alguma coisa imensuravelmente mais complicada do que conceitos como o Bem e o Mal – vistos naqueles termos.

Li pouca coisa de Terry Pratchett, mas imagino que haja mais a mão dele do que a de Gaiman neste livro, cujos milhares de piadinhas satirizando a vida inglesa lembram muito a série Discworld. É uma forma leve de humor satírico e mordaz, como a série Mochileiro das Galáxias.  Foi também a estréia de Gaiman no romance, e certamente o ajudou a tentar a literatura. Nada de mau em ser roteirista de HQ, mas quando um escritor tem qualidades de romancista é sempre bom ver os resultados. Good Omens (1990) é divertido, mas Gaiman o superaria com facilidade depois, principalmente com Neverwhere, American Gods, Graveyard Book.