sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

4061) O Eco do pêndulo (27.2.2016)



No Brasil, Umberto Eco publicou nos anos 1980 um best-seller incontestável (O Nome da Rosa) e depois um anti-best-seller (O Pêndulo de Foucault). A enorme vendagem do primeiro livro, pela Nova Fronteira, deve ter animado a Editora Record a arrebatar os direitos do segundo, que vendeu muito abaixo do esperado. Quase todos os exemplares dos sebos e da Estante Virtual são dessa edição que encalhou, a de 1989. Uma injustiça, pois para mim os dois livros são igualmente bons. (Se o encalhe fosse do primeiro, todo mundo diria: “Mas é claro! Uma história de frades medievais, cheia de termos em latim, quem vai comprar isso?!”).

O Pêndulo é um livro tão complicado e divertido quanto o anterior, com o bônus de ser contemporâneo. Sua sátira fere mais rente o pensamento ocidental, misturando alquimia, teoria da conspiração, mercado editorial, política, melodrama rocambolesco, Cabala, candomblé. Esta última parte pertence ao longo trecho ambientado no Brasil (capítulos 23 a 33). O argumento dos conspiradores que inventam uma conspiração e depois são engolidos por ela seria meio que retomado por Eco em seu último romance, Número Zero (2015). No Nome da Rosa ele tinha homenageado Conan Doyle e Borges; no Pêndulo, dá para sentir o espírito de Dumas, de Fantomas e da revista Planeta.

O romance é o que John Clute descreve como uma Fantasia da História, uma narrativa que revela uma História Secreta do Mundo. A erudição que Eco derrama nele não é nem excessiva nem extemporânea, porque o tema da obra é justamente a proliferação de interpretações místicas, mirabolantes e paranóicas que vêm atordoando o mundo ocidental desde o Renascimento. O romance segue a estrutura rígida e arbitrária dos “sephiroth” da Cabala, mas pelas suas fendas faz brotar uma jângal indisciplinada de teorias fantasiosas, hipóteses herméticas, narrativas ocultas. Eco cita uma ironia de Chesterton, para quem, quando se deixa de acreditar em Deus, não é para acreditar em uma outra coisa, é para sair acreditando em tudo quanto aparece pela frente.

Um dos temas do livro são as “vanity presses”, as edições autofinanciadas por gente que tem dinheiro bastante para publicar por conta própria as coisas sem pé nem cabeça que escreve. Isso resulta numa proliferação de informação insensata, e é de certa forma uma prefiguração da Internet de hoje, onde qualquer teoria escalafobética encontra crentes e seguidores, e onde basta um computador e um pouco de sorte para encontrar um milhão de espíritos desarvorados capazes de acreditar numa fantasia que criamos por brincadeira ou por delírio fabulatório. O Pêndulo é o livro mais profético do autor.