sábado, 16 de janeiro de 2016

4026) O Alien é a gente (17.1.2016)




Desde os dezoito anos eu vejo menções à famosa frase do quadrinista Walt Kelly, o autor da série Pogo: “We met the enemy, and he is us”. “Encontramos o inimigo e ele é nós”. Ou, numa tradução mais coloquial, mais próxima do registro da HQ original: “Saquei quem é o inimigo. É a gente”.

Fui dar uma olhada na história dessa frase e fiquei sabendo que ela surgiu como paródia a outra frase famosa, pronunciada a sério. Em 1913, o Comandante Perry, da marinha norte-americana, assim anunciou aos seus superiores a vitória naval na batalha do Lago Erie: “We have met the enemy, and they are ours” Ou: “Encontramos o inimigo, e eles agora são nossos (=estão em nosso poder).”

A frase de Kelly tem a ver com a criação de alienígenas na ficção científica, porque de cada um deles pode-se dizer: “Ele é a gente”.  Não importa se são lagartiformes ou esféricos, se são mamíferos ou insetóides. Sua aparência pode ser demoníaca como ocorre com os Overlords de Arthur C. Clarke em O Fim da Infância, colossal como o Bihil de O Grande Ser de Peter Randa, quase imaterial como A Nuvem Negra de Fred Hoyle. Pode ser repugnante, incompreensível. No momento em que existe entre eles e nós qualquer interação, qualquer troca de mensagens (mesmo hostis), o Outro nos tocou, nós o tocamos, e sua alteridade se rompeu em parte, porque descobrimos nele alguma coisa de nós mesmos.

Em Alien Encounters (1981) de Mark Rose, ele cita o comentário de Patrick Parrinder, de que “não é possível imaginar algo totalmente alienígena, mas apenas conceber algo que nos seja estranho por efeito de contraste ou de analogia com algo já conhecido.” Isto faz, diz Mark Rose, com que possamos imaginar porcos voadores ou mentes que caminham ou mesmo estrelas inteligentes, mas não somos capazes de imaginar algo que não mantenha relação alguma com o que já conhecemos. Por isso (diz Parrinder) os alienígenas na FC possuem sempre uma dimensão metafórica. Por mais que sejam produtos da imaginação, e por mais desbragada que esta seja, há sempre algo nosso nesse elemento que sintetiza a Estranheza.

Na trilogia Comando Sul, de Jeff Vandermeer (Ed. Intrínseca), esse problema é colocado de uma maneira enigmática, tarkovskyana (a obra evoca tanto Stalker quanto Solaris). Os personagens (e o leitor) se deparam com fenômenos que só podem ser explicados como a interferência de uma inteligência estranha, e cabe a eles concatenar uma série de fatos disparatados nesses fenômenos, durante os quais os humanos da narrativa passam a questionar a sua própria existência, porque depois do Contato as leis físicas do mundo parecem ter deixado de vigorar universalmente.