sábado, 24 de dezembro de 2016

4193) Natal 2016 (24.12.2016)





(ilustração: Michael Hutter)


...como a ave que volta ao ninho antigo
mas um degrau acima na espiral,
volta a Terra em seu giro sideral
para um lugar de onde jamais saiu.
Um campo fumegante: é o Brasil.
É a rua a que volto, é meu dezembro,
é a dor que lateja em cada membro,
punhalada de sangue, o osso vivo,
onde pulsa o relógio primitivo
da hora, do minuto e do segundo.

É o bafo da máquina do mundo
no cangote dum bicho encurralado,
roldanas, aguilhões, aço cromado,
cremalheiras, pistões, tornos de prensa.
Uma engrenagem dadaísta, imensa,
se arrastando em clangor de ferro velho,
balbuciando ao vácuo um evangelho
de cataclismos e de armagedons,
profecias do caos, deuses anões,
monstros sem ossos, feras amputadas.

Sento na cama. Quantas madrugadas
inda terei que despertar assim?
Que febre é essa que fervilha em mim,
coisa mil-bocas que me rói por dentro?
Um labirinto em ziguezague. Eu entro.
O piso range. O ar cheirando a mato,
e eu caminho a pisar cocô de rato...
Sento na cama: agora despertei.
Acendo a luz. Vou levantar. Farei
o meu café e vou pensar na vida.

Uma terra arrasada e comburida
é tudo que percebo atrás do véu
de ilusão que costura a terra ao céu
como cascata virtual de imagens.
Eis a mais verossímil das miragens:
uma falácia de nação feliz,
versão fotoshopada de um país
para iludir os tolos e os incautos
disfarçando os conluios e os assaltos
na bruzundanga da maracutaia.

E a gente nada e nada rumo à praia,
recebe o forno-inferno do verão,
finge estar bem, mente que sim, que não,
malabariza as contas todo mês,
paga duas em quatro ou uma em três,
pede emprestado a João pra pagar Zé,
tropeça, cambaleia, fica em pé,
respira fundo, calma, vai dar certo,
fique frio, meu bom, e fique esperto,
ninguém teve jamais segunda chance.

Enquanto tiver perna, amigo, dance
conforme a música da Cosmo-Esfera:
monte no tigre, deite com a pantera,
dê nó cego com as pontas do arco-íris,
se veja esquartejado como Osíris
e ressuscite como fez Sherlock,
saia voando no Pássaro Rock,
grite, esbraveje contra o fim da luz,
erga o brinde espumante pra Jesus
bebendo a Itaipava a dois reais.

E retornam os mitos estivais
os perus, os pavês; bimbalham sinos.
E o loop inapelável dos destinos
entrelaçados no DNA.
Pois não houve, não há nem haverá
algo além dos limites desta vida.
É no tempo-real desta partida
que tudo se decide no placar,
e enquanto brilhe acesa a luz do bar
ergue o copo sorrindo, vem comigo...









2 comentários:

Unknown disse...

você é um poeta que admiro
usa palavras de entrelaço
cada uma parte como um tiro
e eu me acabo em pedaços

Unknown disse...

só poesia