terça-feira, 22 de dezembro de 2015

4004) Linha de chamar verso (23.12.2015)



(Nei Lopes)

No trabalho da gente, seja ele qual for, a gente cria às vezes um dicionário pessoal para indicar coisas sem nome definido. Na poesia de estrofes rimadas e metrificadas, eu sempre usei, por conta própria, dois conceitos relativos ao improviso com batuque. Tinha o “refrão de chamar verso” e a “linha de chamar verso”.

O refrão de chamar verso é aquele velho esquema de canto com palmas: “Chora bananeira / bananeira chora / chora bananeira / meu amor já foi embora.” Aí alguém dá um passo pro meio da roda, ou (se numa mesa) ergue o braço pedindo a vez, e manda uma quadrinha improvisada, ao fim da qual todos voltam a cantar juntos: “Chora bananeira... (etc)”.

Já a “linha de chamar verso” é como se fosse um mote de uma linha só, mas ao invés de aparecer no fim da estrofe aparece no começo, e o cantor improvisa o restante. A linha-de-chamar-verso mais antiga que conheço é “Lá em cima daquela serra...”  Quantos milhares de quadrinhas não já terão sido escritas ou improvisadas pegando a partir de um início tão promissor?

Em Partido Alto – Samba de Bamba (Pallas, 2005) de Nei Lopes há uma porção de termos para essas linhas. À pág. 107, Nei Lopes explica que muitas das quadras cantadas em partidos altos, seja de memória ou de improviso, se desenvolvem “a partir de um pé-de-cantiga, isto é, de um verso inicial padronizado, bastante conhecido.”  À pág. 139, ele amplia essa definição: “Grande parte das trovas, quadras e outros tipos de estrofes da poesia popular se inicia por versos padronizados através dos quais se propõe e estabelece o tema a ser trovado e cantado. A esses versos-matrizes costuma-se chamar ‘trampolins’, ‘muletas’ (...), ‘pés-de-cantigas’, no dizer de Joaquim Ribeiro (...), ou ‘versos feitos’, segundo Mário de Andrade.” Ou seja, é o mesmo princípio do mote na Cantoria nordestina – só que vem no começo, e não no fim.

Nei Lopes lista alguns desses começos, e mostra com que frequência eles iniciam estrofes em nossa música popular: “Vou-me embora, vou-me embora”, “Minha mãe me deu dinheiro” (no Nordeste usa-se tipo assim: “Minha mãe me dê dinheiro / preu comprar um cinturão / o punhal e a cartucheira / pra brigar mais Lampião”), “Alecrim na beira d’água”, “No tempo em que eu cantava”, “Dizem que cachaça mata”, “Minha mãe sempre me disse”... Eu lembraria outros como “Quando eu vim da minha terra” (resgatado por Paulo Vanzolini em sua “Capoeira do Arnaldo”), “Vou falar pra todo mundo”, etc.

Esse mote inicial (ao invés de mote final) é mais um parentesco entre o partido alto e a cantoria, mostrando que os dois compartilham as mesmas raízes e o mesmo espírito, apenas evoluíram por caminhos diferentes.