quarta-feira, 12 de agosto de 2015

3891) Romance policial (13.8.2015)



Um romance policial é como uma investigação científica. O investigador tem em mãos uma porção de fatos e quer saber o que deu origem àquilo tudo. Para tanto, precisa de uma explicação que atenda de maneira cabal aos fatos, sem deixar nenhum de fora. Um único fato concreto que não possa ser explicado pode pôr por terra uma bela teoria. O cineasta Jorge Furtado fez uma divertida sátira a esse aspecto no filme O Homem Que Copiava, quando os protagonistas, por vingança, planejam explodir o apartamento de um indivíduo com ele dentro. Quando começam a executar o plano, vê-se que um deles trouxe para o apartamento uma galinha viva e a colocou bem protegida num armário. “Mas, para que isso!?” exclamam os outros. E ele: “Bom, a polícia também vai se perguntar o que uma galinha estava fazendo aí, e enquanto não acharem uma explicação a investigação não vai poder avançar muito.”

O enredo torna-se às vezes incompreensível porque tentamos racionalizar, no escuro e “a posteriori”, atos praticados por pessoas sob tensão, agindo às pressas e motivadas por fatores que nunca conhecemos de todo. As pessoas têm comportamento contraditório. São valentes num dia e covardes no outro, espertas hoje, burras amanhã, executam as manobras mais complexas e depois acabam derrapando numa bobagem. O detetive, ao concatenar os fatos, tenta descobrir nos agentes motivações e intenções que justifiquem os fatos comprovados. Por que Fulano saiu de casa no meio da madrugada, de chinelos, pegou o carro às pressas, sem ter recebido nenhum telefonema? Por que o assassino ocultou o corpo e deixou um objeto próximo totalmente visível? Por que Sicrano se registrou no hotel com nome falso, e estava sem documento algum quando foi encontrado? Por que a vítima estava armada e não se defendeu, mesmo tendo a chance? Todos esses “porquês” exigem do detetive que busque uma lógica por trás dessas ações; e muitas vezes, no fim da história, ele constata que as pessoas agiram sem a menor lógica, seja motivadas por suspeitas ou medos infundados, seja impelidas por circunstâncias que eram importantes para elas mas que não têm nenhuma relação com o crime, e assim por diante.

Já se disse que a ficção tem obrigação de fazer sentido, mas a vida real não. Quando um detetive propõe teorias, não pode responder uma indagação dizendo “porque sim”; já que ele se propõe a explicar, a explicação tem que fazer sentido, mesmo que na vida real as ações dos personagens tenham sido caóticas ou absurdas. Quando deduz e organiza os fatos, o detetive tem que ser “mais real do que o rei”, tem a obrigação inicial de ser mais lógico do que a vida é.



[Nota: este artigo foi postado aqui no blog fora de ordem, por motivo de viagem, pressa, etc. No "Jornal da Paraíba", ele saiu no dia 13 de agosto, e "O som e o sentido", artigo 3890, no dia 12 de agosto.]