quinta-feira, 9 de julho de 2015

3862) "Numa Terra Estranha" (10.7.2015)










Este romance de James Baldwin (o título original é Another Country) foi lançado em 1962, ano em que Bob Dylan gravou seu primeiro disco na Manhattan que Baldwin recria e recenseia. O livro de Baldwin é o retrato tenso e desgastado, talvez chocante para a época, de relações variadas dentro de um grupo de pessoas que se conhecem. Rapaz negro com moça branca e vice-versa, homem com homem, pessoas casadas com amantes clandestinos. Tudo isto no mesmo Greenwich Village onde a rapaziada da canção de protesto começava a se juntar aos pesquisadores da folk song tradicional e do blues.

Numa Terra Estranha não tem blues, mas o personagem que decola a história é Rufus Scott, um jovem baterista negro de jazz, com problemas de auto-aceitação. Conhecemos todos os outros através da história dele: sua irmã Ida, cantora; o escritor branco Vivaldo; outro escritor branco, Richard, e sua esposa Cass; o casal gay (branco) Eric e Yves (que vivem na França). Quase todos são artistas, mais ou menos liberais, todos são problemáticos. Richard Silenski é um filho de migrantes que depois de muita batalha publica um romance policial com grande expectativa; Vivaldo é mais jovem, meio seu discípulo, e faz o papel do Escritor Liso Fumando na Mansarda.

O Village é o ambiente natural de Rufus, bem como os bares de jazz na Rua 42 e do Harlem. É também onde mora Vivaldo, que a certa altura passa a ser o foco principal da história. Um Village de fins dos anos 1950, quando um casal interracial de mãos dadas andando na rua atraía os olhares e gerava tensão. As pessoas dormem juntas, brigam, voltam, perseguem carreiras, fracassam, fazem um sucesso que preferiam não ter feito, conversam e discutem o tempo todo. Retorcem assuntos como quem seca roupa. Baldwin é um realista da velha escola.  Alguns capítulos são pequenos contos de vida urbana, preciosos, que quase podem ser independentes do arco narrativo maior.

É a Nova York dos bares gays e bares de marinheiros a poucos metros de distância. Os mesmos ambientes descritos por Samuel R. Delany em suas memórias The Motion of Light in Water (1988). Em 1962 Delany era um jovem romancista negro bissexual casado com uma poetisa branca, Marilyn Hacker, estreando na FC com o romance The Jewels of Aptor. As memórias de Delany completam os interstícios das vidas passadas a limpo por Baldwin, e quem sabe não haja algo de Baldwin na Bellona que Delany veio a imaginar em Dhalgren (1974). Baldwin é mais um daqueles escritores negros norte-americanos (como Richard Wright, Frank Yerby, Chester Himes) que tiveram que ir buscar na França alguma coisa que era sua de nascença e lhes foi subtraída.