quinta-feira, 4 de junho de 2015

3832) TV e cultura popular (5.6.2015)



Estive nesta semana em Campina Grande, participando do XII Seminário Os festejos juninos no contexto da folkcomunicação e da cultura popular, promovido pelo Grupo de Pesquisas Comunicação, Cultura e Desenvolvimento, do Departamento de Comunicação Social do Centro de Ciências Sociais Aplicadas da UEPB (Universidade Estadual da Paraíba). Convidado pelo prof. Luís Custódio, meu eterno presidente do Cineclube de Campina Grande, participei da mesa “Cinema brasileiro e manifestações da cultura popular”, juntamente com os professores Rômulo Azevedo (UEPB), Gilvan de Melo Santos (UEPB), João Batista de Brito (UFPB), João Carlos Beltrão (IFPB/ABD-PB), Luís Antonio Mousinho (UFPB) e Sebastião Guilherme Albano da Costa (UFRN).

Minha comunicação se fez em torno de três exemplos da dificuldade de relacionamento entre cinema/TV e cultura popular. Exemplo um: um cineasta viajou ao Alasca para registrar um ritual de uma tribo esquimó, e o tal ritual consistia num xamã cantando uma litania e batendo com uma matraca na perna, durante 8 horas seguidas. “O que devia fazer a equipe?”, perguntava o cineasta. “Filmar e reproduzir as oito horas completas? Filmar apenas uns quinze minutos e explicar à plateia: ‘É isso, durante oito horas’?”

Exemplo dois: uma equipe de TV brasileira viaja para filmar uma romaria religiosa num interior remoto. Por um erro de comunicação a equipe pensou que a romaria aconteceria num dia X, mas ficou sabendo que seria de fato no dia seguinte, quando já estavam com as passagens de volta compradas. Depois de muita negociação, foi possível convencer as pessoas locais a fazerem uma “romaria fake” no dia mais conveniente para a equipe. Que valor tem esse registro? Que respeito a comunidade local ficará tendo pela TV, depois de constatar na carne o grau de “mentira” do que aparece na tela?  Que respeito terá por si mesma, por ter colaborado com a mentira alheia?

Exemplo três: em filmes ou reportagens sobre cantadores de viola, a TV, essa tesoura faminta, costuma cortar pelo meio uma sextilha ou uma décima, para poupar tempo. Interromper um verso de cantador sem mostrar o final é como mostrar a cobrança de um pênalti sem mostrar se a bola entrou ou não. Equipes de cinema e TV em geral têm um profundo desconhecimento sobre as coisas que vão filmar. Têm suas próprias prioridades, preferências, opções. Na verdade, pensam somente no que deve aparecer na tela, não no que acontece diante da câmera. A cultura popular vê essas equipes com uma desconfiança mais do que justificada, porque sabe que está servindo apenas de presunto para o sanduíche alheio.



3831) Histórias proféticas (4.6.2015)



De vez em quando, principalmente no ramo da ficção científica, diz-se que um livro é profético, que adivinhou o futuro. Julio Verne teria adivinhado a invenção do submarino e do cinema (este em O Castelo dos Cárpatos), Isaac Asimov teria profetizado a invenção de automóveis que se guiam sozinhos (e conversam com o motorista), Fulano ou Sicrano teriam antevisto a Internet. (Meu candidato preferido para esta última façanha, é Mark Twain, em 1898; ver aqui: http://tinyurl.com/o43bsdb). Na verdade não é tão simples assim. Verne e Asimov acompanhavam de perto a pesquisa científica e tecnológica dos seus respectivos tempos. Há coisas que sabemos serem possíveis, mas não temos ainda a tecnologia (ou o dinheiro) para fabricá-las. Um escritor pode escrever uma história e pressupor que a tecnologia e o dinheiro já existem.

O mesmo se dá com fatos políticos e históricos. Em 1941, Gil Fox criou uma história em quadrinhos (com desenhos de Lou Fine) para a revista National Comics, descrevendo um ataque a Pearl Harbor, exatamente um mês antes dele acontecer (veja aqui: http://tinyurl.com/pvlcao3). Essa base era a sede da frota naval norte-americana no Pacífico, e seria um alvo natural para qualquer inimigo. Na HQ de Fox, são os alemães que bombardeiam Pearl Harbor, como uma manobra de distração para desviar as atenções de sua verdadeira invasão que ocorre logo depois na Costa Leste. O que faz a HQ de Fox & Fine ser lembrada até hoje é apenas o fato de ter saído apenas um mês antes do ataque japonês, em 7 de dezembro de 1941.

Os japoneses haviam atacado a frota norte-americana no conto de 1914 “Beyond the Spectrum”, de Morgan Robertson, torpedeando navios nas vizinhanças do Havaí e tentando invadir San Francisco. Tido como profético, o conto não faz mais que reproduzir militarmente uma tensão geopolítica que sempre existiu. Robertson (1861-1915), no entanto, é autor de um romance famoso por sua visão profética. Em 1898 ele publicou Futility, em que um navio, o SS Titan, tido como “inafundável”, choca-se com um iceberg numa noite de abril e vai a pique, matando a maioria dos passageiros porque não havia salva-vidas em número suficiente. Os detalhes básicos da história são os mesmos do naufrágio do Titanic, que só veio a ocorrer 14 anos depois. Embora vários detalhes (ver aqui: http://tinyurl.com/c86xo2) justifiquem uma certa perplexidade, acidentes marítimos são relativamente frequentes e semelhantes entre si. Os perigos são os mesmos, os descuidos são parecidos. Nomes pomposos e heróicos também. Coincidências são na verdade convergências de elementos que se repetem.