sexta-feira, 8 de maio de 2015

3809) "Santa Sangre" (9.5.2015)



Estou coordenando, para a Escola de Cinema Darcy Ribeiro (Rio de Janeiro) uma Mostra do Cinema Fantástico, com filmes todos os sábados às 14 horas, entrada franca. A escola fica na esquina da Rua 1º. de Março com Rua da Alfândega, pertinho do CCBB. (Após a sessão, neste sábado, haverá debate comigo e o prof. Sérgio Almeida.)

Hoje, sábado 9, será exibido Santa Sangre (1989) de Alejandro Jodorowsky, cineasta brotado na onda do cinema underground dos anos 1970, os chamados “midnight movies”. Jodorowsky é uma figura arlequinal nas artes, tendo se envolvido com literatura, teatro, cinema, quadrinhos; foi parceiro de Moebius e de Fernando Arrabal. Na ficção científica é conhecido pelo seu projeto frustrado de adaptar o romance “Duna” de Frank Herbert, que não resultou em filme, nunca decolou, mas foi uma certa injeção de ambição imaginativa no gênero, pelo menos na Europa.

Dentre os seus filmes oficiais, El Topo (1970) é um faroeste iniciático, A Montanha Sagrada (1973) é uma jornada-do-herói controlada por um duende metalinguístico, e Santa Sangre é um melodrama mundo-cão, grotesco e surpreendente, uma mistura de filme-de-terror-B-mexicano baseado em pulp-fiction estilo “weird menace”. Tem pontos de contato com um certo tipo de cinema “udigrudi” que se fazia no Rio e São Paulo na época. Um cinema meio sujo, anárquico, e que mesmo numa das raras superproduções só produz na pindaíba. Filmes pululantes de marginais, artistas de circo, fanáticos religiosos, bandidos excêntricos, militares, padres, políticos, mutilados, anões, deficientes físicos... Tipos inquietantes, meio caricaturais. Violência física, mas esfriada pela imprevisibilidade do enredo.

Santa Sangre tem momentos daquele dramalhão com ressonâncias freudianas que se vê em Nelson Rodrigues ou em Buñuel. Deste, principalmente, tem aquele gosto pelo excessivo, pelo gótico, pelas imagens bizarras sem explicação. Tem alguma coisa daquele exagero mórbido do teatro de Grand Guignol ou de algum dos vários tipos de teatro da crueldade (ou da violência) que foram tão praticados naquela época.

A certa altura o filme faz lembrar o conto de Maupassant, “O artista”, em que um atirador de facas num circo confessa ter vontade de matar a esposa, que o acompanha no número, mas diz que não consegue “errar”. O cinema de Jodorowsky é muito referencial, cheio de alusões, citações, homenagens, paródias a Fulano ou Sicrano. Mas quando ele emula Hitchcock, não é de uma maneira previsível, como acabaram se tornando os filmes de Brian de Palma, onde a referência fica sendo a razão de ser da cena. Jodorowsky insere a referência, mas não é nela que a cena está focada.