sábado, 5 de dezembro de 2015

3990) Memórias Revenantes (6.12.2015)




Às vezes eu gostaria que caísse sobre o mundo uma daquelas misteriosas barreiras transdimensionais da ficção científica. Talvez até já seja hora de encontrar uma terminologia equivalente, que também seja vaga, e usável a torto e a direito. 

Enfim: um truque mediante o qual o mundo ficasse imobilizado, esvaziado de gente, e eu pudesse caminhar de noite ou de madrugada por Campina toda acesa, Campina deserta sem vivalma, tipo quinta dimensão, além da imaginação.

Aquele friozinho de mei-de-ano e eu andando por Campina. Tudo aceso, vitrines, iluminação pública, luzes dos terraços e jardins. Mas tudo fechado, portas, janelas, grades, embora, como em games tipo GTA, eu possa se quiser sair testando de porta em porta em cada rua... 

Numa das vezes em que fantasiei essa peripécia eu batia nas casas da Rua Miguel Couto e em todas havia alguém para me receber e me convidar para um cafezinho e água gelada na poltrona, onde me davam de graça uma história sobre minha infância (não propriamente sobre mim – sobre meus pais, sobre a rua, a vivência comum). 

Senti algo estranho. Todas aquelas pessoas tinham morado ali há quase 60 anos e todas continuavam lá, nas respectivas casas. Meu pai e minha mãe, no entanto, depois de alguns anos ali, tiveram que se mudar para a Vila dos Motoristas. Era na Rua Castro Pinto, por trás do campo do Treze. Quando havia jogo noturno no PV a gente aproveitava os refletores e jogava pelada no meio da rua. E aí minha cabeça já não estava mais pensando em quando a gente de mudou da Miguel Couto para a Vila dos Motoristas (acho que foi 1960).

Agora estou em pleno modo Stephen King ou Philip K. Dick. 

Um cara volta ao lugar onde morou até os 10 anos, quando sua família mudou-se às pressas para outra cidade. Conto na primeira pessoa. O cara está precisando de alguma informação sobre os pais, falecidos, e volta, com 40 anos, à cidade natal e à rua onde morou. 

Sai batendo de porta em porta, a começar pelas duas que ladeavam seu antigo endereço. E descobre que todos, absolutamente todos os personagens de sua infância, continuam vivos e morando ali. Alguns estão com mais de 120 anos de idade. Eles abrem a porta com estranheza, ouvem com pasmo e alívio quando ele diz quem é, recebem-no. 

Dizem que já o esperavam há muito. Porque desde que os pais dele se mudaram dali ninguém naquela rua morria. E, já que ele estava ali, quem sabe (dizem os moradores de Willoughby Street), se ele faria questão de executar para eles a tarefa que meus pais executaram enquanto puderam suportar, antes de largar tudo e sumir?... Pensei comigo mesmo que teria muito prazer em ajudá-los.









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