terça-feira, 10 de novembro de 2015

3967) Arrastão em Alphaville (10.11.2015)





Este ano marca o 40º. aniversário de lançamento de High Rise (1975), um dos romances mais perturbadores do inglês J. G. Ballard. O que não é pouco, visto se tratar do autor de livros como Crash (filmado por David Cronenberg, com James Spader). Ballard é um crítico cruel da sociedade tecnoburocrática, que ele vê como uma violentação constante da natureza humana.  Os impulsos animais são cobertos com uma capa de civilização consumista, escrava da mecanização, embrutecida mental e emocionalmente através da publicidade, da política, dos códigos de conduta.

High Rise descreve três meses na existência de um enorme condomínio residencial para profissionais de alto nível, na periferia de Londres. Nesse prédio de 40 andares, com 20 poços de elevador, encontram-se todas as instalações indispensáveis à vida civilizada moderna: escolas infantis, bancos, supermercados, piscinas, salões de beleza, quadras de esporte, salões de festa. E aos poucos se forma entre os dois mil moradores uma pirâmide social com os mais ricos nos andares superiores (e elevadores exclusivos) e os mais pobres nos de baixo. Tensões sociais começam a brotar, ao mesmo tempo em que a manutenção falha e os conflitos tornam-se brigas declaradas.

Ballard obtém o efeito do fantástico através da escalada gradual do absurdo no comportamento desses executivos, astros de TV, psicanalistas, publicitários, arquitetos, etc. Eles entram espontaneamente em conflito quando elevadores, lixeiras e outras instalações começam a falhar. Das discussões com insultos verbais passam às agressões físicas, aos espancamentos, aos crimes.  Eletricidade e abastecimento de água entram em colapso, e o prédio se transforma numa imensa lixeira onde clãs de profissionais liberais, empunhando facas e bastões, invadem os apartamentos dos andares rivais, estuprando suas mulheres e saqueando suas despensas.

De dia, os moradores vestem suas roupas elegantes, ligam seus carros de luxo e vão à cidade trabalhar. À noite voltam para o prédio e se dedicam a embriagar-se em orgias ruidosas.  Praticam arrastões ao longo dos corredores, uns subindo rumo ao topo como uma forma de conquista de um poder simbólico, outros descendo aos andares de baixo para dar uma lição aos inferiores.

Delirante e provocador em 1975, o livro, a cada década que passa fica parecendo mais uma profecia terrível sobre o que pode acontecer na vida real, se forem cortados alguns fios muito retesados que mantêm erguida e esticada a lona do circo civilizatório. O vôo acelerado rumo ao futuro high-tech pode nos levar num salto brusco para o tempo das cavernas. Um primata com sede de sangue empunhando uma chave inglesa. 


Um comentário:

Paulo Rafael disse...

Haruki Murakami em Kafka à beira-mar: "(…) a realidade nada mais é que um amontoado de profecias sinistras que se tornaram realidade. Abra os jornais de qualquer dia, ponha as notícias numa balança, as boas de um lado e as más do outro. Logo verá que falo a verdade."

Abraços