sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

3694) Alguns adeuses do ano (26.12.2014)



Foi o cinema paraibano que me levou pela primeira vez à casa na Rua do Chacon, na tarde em que fui apresentado a Ariano Suassuna.  Fui com a esperança de poder, nos intervalos da filmagem, conversar com ele sobre cantoria de viola.  Acabamos conversando sobre romances policiais.  O filme era realizado por Marcus Vilar, Torquato Joel e Durval Leal, sendo que Idelette Muzart e eu éramos convidados.  Ariano estava numa fase meio fora dos holofotes; a imagem que eu guardava dele era a da foto na Pedra do Reino, cabelo preto, tirando a vista, com aquele sorriso sorrateiro e oblíquo.  Nessa primeira vez, tive um susto com sua aparência idosa.  Era 1993, ainda. Mesmo sendo poucas vezes, deu tempo de conversar até sobre ficção científica.

Que filme estaria passando na mente de Manoel Monteiro, na poltrona do ônibus, rumo a um lugar distante e diferente, de onde ele sabia que não ia mais voltar?  O cordelista sumiu no trajeto de Campina a Recife, como quem foi abduzido.  Gente se alvoroçou, buscas foram feitas.  Dias depois ligam de um hotel do Pará, onde ele fechou sozinho os próprios olhos.  Certos poetas, mesmo quando falam de Bagdá ou do Sertão, estão falando é de si, estão dando os filmes de sua alma para todo mundo ver também.  O formato de uma sextilha é ver uma tela de cinema, não é mesmo?  E não saberemos qual foi o último filme que viu Manoel.

Sérgio Valença, o famoso Pezão, era diretor de palco dos grandes shows no Marco Zero, no Carnaval de Recife, onde eu ia quase todo ano  Ele fazia isso o ano inteiro, e dava cursos sobre palco, luz e som, produção, essas coisas.  Era um Seu Lunga. Tinha uns dois metros de altura e poderia ser dois caras, se quisesse.  Sensato, pôpêiro, opinioso, reivindicador de dedo em riste, polemizador sincero e rude, um romântico que se dizia um falso canalha.  Tínhamos em comum Obama, o Sport, muita coisa de música.  Era um gigante com o corpo todo bombardeado, precisava de remédios caríssimos, lutava contra burocracias.  Conversamos ao vivo poucas vezes; foi nas redes sociais que vim a ver como ele era.  Tinha 48 anos.

Quando José Marcolino morreu num acidente de estrada criaram o mote: “Uma vaca matou Zé Marcolino / e eu não dava José numa boiada.”  João Paraibano morreu atropelado, morreu pela coincidência (que ninguém previu, nem estabeleceu, nem desejou) entre duas trajetórias regidas pelo acaso e sabe-se lá pelo que mais.  Morreu nosso grande poeta do sertão, aquele rapaz gentil de olhos tristes que eu conheci no Congresso de Campina. Na Web circulou uma imagem final durante seu enterro. Um miolo de multidão improvisando sextilhas, passando na carne viva da perda o mertiolate do verso.