domingo, 23 de novembro de 2014

3666) Gregory Rabassa (23.11.2014)


Terminei de ler este livro pequeno, leve, escrito com a pena num idioma e a tinta em outro.  São memórias e relatos de Gregory Rabassa, que traduziu para o inglês obras como Rayuela de Julio Cortázar, Cem anos de solidão de Garcia Márquez, Brás Cubas de Machado, A Maçã no Escuro de Clarice e Avalovara de Osman Lins, além de outros títulos de peso. A capa cita uma frase de Márquez chamando Rabassa “o melhor escritor latino-americano no idioma inglês”.  Harry Ingham, um amigo meu da Califórnia, dizia que tinha vontade de aprender a escrever em espanhol só para ser traduzido ao inglês por Rabassa.

O livro é If This Be Treason – Translation and its Discontents – a Memoir (NY: New Directions, 2005). Tem uma parte introdutória de umas 50 páginas onde ele fala de si, relata sua carreira, etc. Na segunda parte, cada capítulo é sobre um autor que ele traduziu; são 31 capítulos.  Rabassa discute detalhes do processo de tradução, mas, como o livro se dirige ao leitor dos EUA, a maior parte dos comentários é para dar uma idéia de quem são esses autores nos seus países de origem.  Assim como eu não tinha idéia de quem fossem Demétrio Aguilera-Malta ou Luís Rafael Sanchez, deve haver quem não conheça Vinicius de Moraes ou Dalton Trevisan.

Rabassa tem ascendência latina, já que seu pai era cubano, e o estudo do espanhol (e do português, mais adiante) não foi uma mera estratégia de escolha de nicho acadêmico. Teve um papel afetivo, era um alargamento de um universo cultural que já lhe pertencia. Ele acabou traduzindo por necessidade, e menciona a revista literária Odyssey, da qual participou bem jovem, depois de formado.  A revista (que só produziu seis números) era de amigos seus, e seu trabalho consistia em ir para as bibliotecas remexer nas revistas literárias em espanhol e ver o que estava rolando de interessante.  Dessa maneira, disse ele, a revista publicou textos de numerosos autores desconhecidos àquela altura mas que depois se tornariam grandes, como Nélida Piñon.

Um dos comentários mais interessantes dele é sobre o seu hábito de traduzir um livro à medida que lê. Em vez de ler tudo antes, anotar, pesquisar, e só depois sentar para digitar o texto, ele vai lendo e digitando, lendo e digitando.  Eu já traduzi assim, mas não dá certo com qualquer livro; para alguns, é preciso saber de antemão para onde está indo a narrativa.  Mas ele traduziu assim alguns dos livros mais complexos e densos de nossa literatura, e todos os trechos que conferi me parecem muito bons. Talvez a identificação de pensamento com o autor (como ele tinha com Cortázar, p. ex.) conte pontos nesse processo.