sexta-feira, 31 de outubro de 2014

3646) Os candidatos (31.10.2014)


Nem sempre o melhor candidato é o melhor executivo.  Acho graça no modo como a democracia eletrônica, onde o objetivo é impor uma idéia a dezenas de milhões de pessoas desinformadas, deforma todo esse processo.  Deveríamos eleger o melhor administrador, o mais competente, o mais correto, o mais íntegro, o mais líder.  Ao invés disso, elegemos em geral o que tem sorriso mais aconchegante, o que tem rasgos oratórios que fazem explodir aplausos, os que pelas feições ou pelo traje se parecem com algum vago ideal de autoridade que trazemos adormecido em nossa subconsciência de classe. Votamos num ator.  Mesmo os bons administradores (que felizmente existem) descobriram muito cedo que para poder administrar em paz tinham que desenvolver, mesmo a contragosto, esse lado televisivo, histriônico, fotogênico.

Esse jogo foi zerado por Ronald Reagan.  Deve haver precedentes, mas eu diria que Reagan foi o primeiro caso de robô biológico na história da política moderna.  Um robô biológico é um ser humano incapaz de pensar por conta própria mas dotado de uma sólida capacidade de dizer e fazer o que lhe dizem para ser dito e feito.  Reagan tornou-se assim, para o neo-liberalismo republicano, o candidato perfeito e depois o administrador perfeito.  Foi treinado durante a campanha, e depois de eleito continuou recebendo os textos das mãos da mesma equipe.  Não sabia a diferença entre o Brasil e a Bolívia, tinha um “personal astrólogo” para lhe dizer como seria o seu dia, era um javali de terno, mas recebia os textos e aplicava a eles todo o seu charme de galã rústico de Hollywood.

A direita norte-americana trouxe mais atores à política: Schwarzenegger, Clint Eastwood...  Livro um pouco a cara deste último, que é reacionário mas parece ser capaz de pensar sozinho.  Mas o bom Arnold é um exemplo cristalino de como o mundo do espetáculo, a cada década que passa, é sugado para o interior da política.  Mais fácil do que transformar um político em ator é transformar um ator em político, afinal de contas ele vai precisar apenas ler coisas no teleprompter, porque todas as discussões já lhe chegarão brifadas e dirigidas.

Lembro de uma longínqua eleição nos EUA em que um comentarista falou: “O melhor presidente seria o senador Fulano, porque é honesto, competente, sabe costurar apoios.  Mas nunca seria eleito, porque é feioso, mau orador, gagueja.  Candidato tem que ser galã.”  A democracia eletrônica facilita a discussão e participação (via redes sociais), mas é toda voltada para a construção de uma imagem e desconstrução das demais.  Vota-se numa imagem cuidadosamente concebida e orquestrada, que não corresponde a uma pessoa real.