quinta-feira, 31 de julho de 2014

3565) Billy Wilder ensina (31.7.2014)



(túmulo de Billy Wilder)

Billy Wilder, roteirista e diretor alemão, fugiu do nazismo e veio parar bastante jovem em Hollywood, onde dirigiu filmes como Pacto de Sangue (1944), Crepúsculo dos Deuses (1950), A Montanha dos 7 Abutres (1951), Quanto mais quente melhor (1959) etc. Numa série de entrevistas para Cameron Crowe, Wilder deu várias dicas de como construir uma história para o cinema. São dicas que valem para a arte da narrativa em geral: literatura, HQ, teatro, etc.

Dizia ele: “Quanto mais sutilmente você esconder os detalhes essenciais do seu enredo, mais competente você é como escritor”. E dizia também: “Uma dica de Ernst Lubitsch: deixe a platéia somar dois mais dois, e ela vai amá-lo para sempre”.  São duas dicas importantes e aparentemente contraditórias. Na primeira, ele nos diz para esconder elementos importantes da platéia, pegá-la de surpresa. Ocultar dados essenciais de maneira sutil, às vezes deixando-os à mostra, sem lhes dar importância, mas fazendo o público registrar a informação, para lembrar dela no momento da surpresa. Na hora do perigo, quando o mocinho achar a arma que vai salvá-lo, a arma tem que ter sido mostrada, sob outro pretexto, lá no começo da história; mas houve fair-play. “Eu mostrei, vocês é que não deram a devida atenção”.

Wilder diz também: faça o público tirar suas conclusões, sem lhe dar a resposta. Dê apenas as pistas. Obrigue-os a ficar de olho em tudo. Quando o espectador deduz algo e vê essa dedução confirmada, ele se acha inteligente, e com isso acha o diretor inteligente também. Raymond Chandler citava como bom exemplo de roteiro esta cena, cujo objetivo era mostrar um casal em crise. Marido e esposa entram no elevador. Marido de chapéu na cabeça. Elevador para noutro andar. Entra uma mulher. Marido tira o chapéu, cavalheirescamente. O roteiro fornece o 2+2 e a conclusão é por conta da platéia: ele não dá a mínima para a esposa. (O exemplo é dos anos 1940: como seria um exemplo equivalente para 2014?)

Esses conselhos (estimular a surpresa, estimular a dedução) mostram que uma das raízes da narrativa é a interatividade.  É da tensão entre essas perguntas e respostas que a narrativa (literária, cinematográfica, etc.) vai construindo sua relação com o leitor, e se tanto o autor quanto o leitor são inteligentes, essa relação vai se tornando cada vez mais complexa e prazerosa. Vira um jogo. Eu diria que nesse aspecto a história de mistério (mais tipicamente o mistério policial, detetivesco) é a narrativa por excelência, porque nenhuma outra se baseia tanto nesse jogo de pequenos enigmas que brotam num minuto e são respondidos (ou adivinhados pelo público) no minuto seguinte.