domingo, 13 de julho de 2014

3550) "Sunset Boulevard" (13.7.2014)



Dizem que este filme de Billy Wilder, em sua primeira versão, começava com vários cadáveres conversando num necrotério. Cada um dizia como tinha morrido, e então era a vez de Joe Gillis (William Holden) contar sua história.  As audiências-teste acharam a cena ridícula, o diretor teve que refazê-la, e ficou um dos melhores começos de filmes hollywoodianos. A voz em off acompanha a chegada da polícia à mansão, mostra ironicamente o cadáver boiando na piscina, e diz: “Esse cara morto aí sou eu. Agora vou contar como tudo começou.” (Não exatamente assim; é um texto excelente.)

O filme sobre a estrela decadente Norma Desmond é contado pelo roteirista desempregado e a-perigo Joe Gillis. É um bom sujeito, meio malandro mas fundamentalmente um cara que quer apenas arranjar trabalho para pagar as dívidas e não perder o automóvel. Ele começa como “script doctor” para dar uma organizada no roteiro faraônico escrito pela ex-atriz, e termina como playboy teúdo e manteúdo. Prisioneiro, como se fosse um personagem de Twilight Zone, de uma mansão parada no tempo, de onde quem ousa entrar não consegue sair.

A estrela, que aparece com um turbante que não deixa de lembrar Carmen Miranda, o contrata porque ele é de Sagitário.  As portas internas da casa não têm fechaduras. “Madame tem crises de melancolia, e já tentou o suicídio”, diz o mordomo (que parece um general prussiano) Max von Mayerling, interpretado por Erich von Stroheim.  Aconselho ver a versão comentada do DVD, onde um crítico mostra todas as intrusões da vida real no filme, desde a lanchonete onde o pessoal de Hollywood comia e bebia na madruga até aparições rápidas de Cecil B. de Mill e Buster Keaton interpretando a si mesmos. O filme, aliás, faz referências visíveis ao passado dos próprios atores, que interpretam caricaturas de si mesmos.

É um dos filmes mais cáusticos já feitos sobre Hollywood, e é de admirar que tenha sido feito nos mesmos estúdios (no caso, a Paramount) cuja vida ilha-da-fantasia ele se propõe a criticar. Algumas cenas estão a um passo do surrealismo de Buñuel em L’Âge d’Or: o baile de reveillon para duas pessoas, o velório do macaco, o jogo de baralho dos ex-atores. É a Hollywood de baixo vingando-se com sarcasmo da Hollywood de cima.

De modo cruel, o único sopro de vida normal, de ar puro, é a paixão de Gillis por uma roteirista jovem, com quem ele começa a escrever um filme às escondidas. Por trás da Hollywood das estrelas egocêntricas e dos produtores superpoderosos, Wilder enxerga o que ele considera a Hollywood boa-praça, a dos roteiristas e diretores como ele mesmo, envolvidos na briga-de-cachorro-grande dos egos alheios.