quinta-feira, 12 de junho de 2014

3523) Pessoas desaparecidas (12.6.2014)



(ilustração: José Oiticica Filho, 1953)

Por mim, podia ser um gênero literário à parte. Nítido, com um conjunto de situações essenciais, de premissas capazes de abrir para o autor um infinito de possibilidades para a exploração de lugares, pessoas, tipos, situações bizarras ou patéticas.  Estou me referindo ao Romance da Pessoa Desaparecida, que tanto pode acontecer do ponto de vista dos que procuram esse indivíduo quanto do ponto de vista do próprio desaparecido, em sua nova condição.

Desaparecer significa sumir sem deixar rastro nem notícia, sumir sem ser mais alcançado por nenhuma das pessoas com quem se tinha vínculos (família, amigos, trabalho).  Às vezes, a pessoa aproveita uma circunstância fortuita para trocar de identidade e se fingir de morto (O Passageiro: Profissão Repórter, de Antonioni). O conto “Wakefield” de Nathaniel Hawthorne (que incluí na minha antologia Contos Fantásticos no Labirinto de Borges) fala de um homem que some de casa e fica vigiando a esposa durante anos, às escondidas.

Não vou incluir, neste capítulo, pessoas que foram simplesmente assassinadas e seu corpo nunca foi localizado.  Meu interesse é por pessoas que tomaram a decisão de sumir, sumiram, estão vivas e incógnitas.  Sumiram por dívidas, por desespero, por problemas familiares, por aventura, por desorientação mental, não importa. É a famosa pessoa que sai para comprar cigarros e nunca mais se sabe dela, que pegou um ônibus e não chegou ao destino, que limpou a conta no Banco e evaporou-se.

O romance Quarenta Dias de Maria Valéria Rezende cria sua variante: uma mulher começa a tentar localizar, numa cidade que mal conhece, uma pessoa de quem só sabe o nome e que parou de dar notícias à família.  E nessa busca, ela própria, que está vivendo uma vida meio troncha, de expectativas cortadas, numa meia-idade meio sombria, percebe que para tentar achar um desaparecido é preciso desaparecer também. 

Nossas cidades são cheias de desvãos, de espaços baldios, de territórios públicos para onde são empurrados milhares de pessoas sem rosto e sem nome diante do mundo.  Quem entra naquele espaço torna-se tão invisível quanto um porteiro, um ascensorista, uma doméstica. É o mundo dos sem-teto, dos sacoleiros, das pessoas que dormem em rodoviárias ou salas de espera de hospitais, que lavam e secam a roupa nas fontes das praças. Quem são?  Não sei, nunca parei para conversar com esses ETs.  Podem ter desaparecido como a Luísa Porto de Drummond,  como a Anastasia da família do czar, ou simplesmente como alguém que quis deixar para trás um nome sujo na praça, um rosto desprezado por alguém, uma vida que chegou a um beco-sem-saída e o jeito foi pular o Muro.