sexta-feira, 16 de maio de 2014

3500) A Bíblia e o cordel (16.5.2014)




Nos meus tempos de menino, devo ter lido a Bíblia quase inteira, em parte por vontade de ir pro Céu, e em parte pela curiosidade (que sempre tive, ouvindo histórias antes mesmo de aprender a ler) de saber o que aconteceu no meio daquelas guerras entre reis, aquelas peregrinações, aquelas sagas de famílias a quem só aconteciam prodígios, aqueles milagres espantosos acontecendo com pessoas que não eram muito diferentes das pessoas da fazenda da Broca, do meu avô, ou do sítio Tatu.

Já comparei a Paraíba (por extensão, o Nordeste) à Grécia Antiga.  

Dois mundos retalhados entre faixas áridas e faixas férteis, cheios de montanhas misteriosas; povos de pastores e agricultores, envolvidos com seres sobrenaturais, com milagres e catástrofes inexplicáveis, com tragédias e epifanias que eles tentavam compreender e justificar através de longos poemas compostos e guardados de cor.  

O mesmo se dá com o mundo da Bíblia.  Andando pelos nossos sertões, nossas serras, nossos vales, nos deparamos a todo instante com um daqueles patriarcas do Velho Testamento, cuja única diferença para com os verdadeiros patriarcas hebreus é que ele leu o Velho Testamento e os hebreus provavelmente não, foram meros personagens.

Bob Dylan não foi o único poeta pop a recorrer à Bíblia em busca de temas entre o terrível e o sublime. Fez isso, também, em busca de uma dicção clássica, concentrada, que no idioma inglês se localiza na famosa Bíblia do rei James VI, do começo dos anos 1600.  

Outros poetas pop norte-americanos que volta e meia “chamam” o vocabulário, os temas e as imagens bíblicas são Leonard Cohen, Allen Ginsberg. Mais do que um fenômeno de crença religiosa, é uma questão de fé literária. Todos sabem que aquilo é uma essência concentrada de verdade literária.

A Bíblia é um melelê de gêneros. Crônicas históricas, lendas heróicas, poemas, provérbios, profecias, epistolário (conjuntos de cartas), livros de preces... 

O nível poético de livros como os Salmos de Davi, o Livro dos Provérbios, o Eclesiastes, o Cântico dos Cânticos, é impressionante – uma poesia que salta com facilidade do concreto para o abstrato, da fotografia de uma planta ou um animal correndo sobre as pedras para, na linha seguinte, uma reflexão sobre Deus e o mundo.  

E chego agora ao meu tema: seria interessante uma análise estritamente poética da influência da linguagem bíblica sobre a poética dos cantadores e cordelistas. Vocabulário, figuras de linguagem, estrutura de versos, repetição interna de estruturas sintáticas para efeito poético... 

Que os poetas liam muito a Bíblia é fato corriqueiro. Que traços estilísticos a Bíblia deixou em sua poética?