sábado, 15 de março de 2014

3447) Pênalti perdido (15.3.2014)




Eu estava sentado com Zé Maguinho no Bar da Tripa. Eram treze horas pingantes de sol na moleira do tempo.  Na mesa à nossa frente a rapaziada veio depositando o isopor em forma de bala de canhão, as duas tigelinhas fumegantes de fava com charque, o limão recém-cortado, a pimenta boquinha, a pimenta lavareda, a farofa torrada, e as duas lapadas de Matuta que erguemos um para o outro com solenidade, fizemos tim, e vupt. 

O Brasil não sabe, mas Zé Maguinho é o maior craque surgido em Campina Grande depois dos abalos sísmicos da tal Copa de 2014, por uma série de razões, dali em diante os campeonatos regionais voltaram a ser os centros da atenção e da felicidade geral, pois quando um cara nasce pra ser torcedor nunca lhe falta alguém por quem torcer. Zé Maguinho, armador estilo clássico, foi tricampeão 2016-17-18 pelo Treze. Alto, magro, estilo de guerreiro zulu, lá no São José ele lembrava o saudoso Assis, e em Zé Pinheiro o saudoso Araponga. E dito isto, está dito o mais importante.

A gente tinha estudado juntos no Estadual, foi companheiro de farra, acompanhei a glória do tri e depois vibrei com a ida dele para o futebol russo, o mais rico do mundo. Agora ele estava de férias na Serra, e tínhamos marcado naquele bar, onde ninguém viria tietá-lo. A certa altura, perguntei pelos pênaltis. Comigo ele comentaria aquilo de peito aberto, o que não fez na imprensa internacional. 

Zé Maguinho tinha perdido dois pênaltis cruciais, jogando pelo “Racha-zaque”, como ele chamava o time dele. Batedor oficial do time, no jogo de ida da final perdeu um, no último minuto, com placar 0x0. “O time saiu de campo morto, mas foi leal comigo,” disse ele.  Na final, no domingo seguinte, um pênalte no começo do segundo tempo... e ele perde de novo. “Peguei muito embaixo”, foi só o que disse. O time jogava pela vitória. E antes do jogo acabar, novo pênalti. Zé Maguinho ofereceu a vez. Alguém bateu e fez o gol do título.

“Foi esse o que eu perdi de fato,” disse ele. “Sabe por que? Porque eu desisti de tentar. Li isso num livro: só se perde quando não se tenta.  Mas isso foi meses depois desse jogo.”  Brindamos e viramos outra lapada, que desceu cauterizando tudo. Zé Maguinho, irresponsável, maconheiro, raparigueiro, cuja única leitura era legenda de filme pornô, subiu pelas asas do futebol até um mundo de aeroportos e livros de auto ajuda.  E agora, diante de mim, produzia sua primeira interpretação filosófica do que lhe acontecera.   E era um cara de muita sorte, a quem a torcida local era grata, porque lá, por um pênalti só, já vi muito futuro craque ser amarrado e arrastado por uma Ferrari do estádio aos subúrbios, onde se larga o que restou dele.