terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

3431) Estação Botafogo (25.2.2014)




O Cineclube Estação Botafogo (sinto muito, só sei chamá-lo assim) está ameaçado de fechar, por dívidas e outros problemas.  Ele foi no Rio de Janeiro, nos anos 1980, o que a Cinemateca do MAM tinha sido quinze anos antes. Multidões superlotavam aquela calçada estreita para rever Blade Runner numa época em que ele não estava acessível na torneira de cada computador. Íamos todos atraídos pelos mesmos filmes, filmes imprevisíveis que imantavam pessoas afins. Foi saindo de uma sessão de Billy Liar de John Schlesinger que encontrei com Homero de Carvalho (hoje na Fiocruz) e o poeta/publicitário Ulisses Tavares, meu “primo”, e pude fazer esta apresentação histórica: “Homero, este é Ulisses. Ulisses, este é Homero”; e fomos tomar cerveja. 

Nos distantes anos 1980 não havia a atual proliferação de bares dali até a Praia de Botafogo, e os poucos balcões disponíveis eram tão disputados quanto as últimas poltronas nas sessões de despedida (quando uma cópia em celulóide cujo certificado de censura estava para vencer era exibida pela última vez antes de ser incinerada. O mundo já foi mais absurdo.)

O Estação, contudo, não é apenas a memória afetiva de todos nós. Era para mim, recém-chegado ao Rio, a revelação de uma realidade empresarial que jamais teria passado pela minha cabeça.  Coincidiu com outras iniciativas da rapaziada carioca que fizeram um sucesso estrondoso, tais como o Circo Voador e o Planeta Diário, todos decolando quase ao mesmo tempo. Era possível fazer sucesso e ganhar dinheiro fazendo o que cada um gostava, e atraindo um público capaz de gostar também e de entender tudo. 

O Estação precisa sobreviver.  O mercado precisa dele, precisa de grupos capazes de criar os sucessos do futuro, e não apenas de realimentar os blockbusters que já chegam pagos lá de fora. Foram as sessões no Estação que fizeram Down by Law de Jim Jarmusch ser batizado em português Daunbailò, porque os fãs não admitiam outro nome.  E senti ali a força que um movimento de fãs, intenso, diversificado, pode exercer num mercado onde se aposta somente no que é “tiro certo”.  Não penso apenas no passado distante; onde mais eu teria podido ver They Live e Holy Motors em 2013, senão ali? 

Festivais, mostras, coleções de livros, revistas de cinema, tudo se expandiu ao mesmo tempo pela existência comprovada e crescente daquele mercado. E as outras salas e outras redes de exibição acabaram sendo beneficiárias desse público. Não é o público do Homem Aranha ou X-Men, mas é um público que hoje permite filmes mais complexos e de apelo menos ruidoso se manterem em cartaz e darem dinheiro inclusive aos concorrentes do Estação.