terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

3425) O entretenimento (18.2.2014)



O entretenimento é aquela parte da cultura (“cultura” entendida aqui como “qualquer sinal da presença humana no planeta”) que nada questiona, nada exige: só quer dar prazer.  É uma atividade legítima, mas pode se tornar tão viciante quanto esses tiragostos químicos tipo Cheetos, Pringle, Ruffles, etc.: coquetéis de estimulantes do paladar, concebidos para gerar um consumo compulsivo.

Qualquer entretenimento é cultura, e qualquer atividade cultural pode servir de entretenimento. A música, p. ex., vem servindo como entretenimento “gratuito” através de shows em praça pública, mediante cachês astronômicos.  Se uma prefeitura paga 300 mil reais por um show não vai ter verba para apoiar folguedos populares, realizar festivais de curta-metragem (o “cinema que não dá lucro”), patrocinar mostras de teatro, realizar concursos literários, etc. O tal entretenimento vira um câncer da cultura, crescendo descontroladamente e ameaçando o resto. Ele se expande porque essa é a natureza de qualquer indústria de grande retorno financeiro. No caso dos governos, o retorno é eleitoral: divirta o povo e ganhe o seu voto; faça o povo pensar e você tem um problema em mãos. Sempre foi assim.

Não sou contra o entretenimento. Ele é a beirinha de cultura que resta aos exaustos, aos esgotados, aos embrutecidos por um dia inteiro de trabalho estafante e sem sentido, sem falar nas horas intermináveis de ida e volta nos trens desconfortáveis e nos ônibus repletos. Se eu passasse o dia assim, quando chegasse em casa de noite não ia querer ler um romance difícil. Ia desabar na frente da TV, que ainda é a forma mais simples de coma induzido.

O entretenimento, porém, se esgota em si mesmo, não deixa nada além do alívio momentâneo que produz. Passado o alívio, retornam os problemas de sempre, e continuamos sem saber como encará-los. Existe, porém, uma cultura que encara esses problemas. Para ser apreciada, ela requer a mobilização plena do nosso espírito, da nossa inteligência, da nossa empatia, da nossa emoção, da nossa capacidade de levar a vida a sério e questionar as coisas. 

Não sou contra a festa, mas a vida não é só festa. (A não ser que você seja filho de um milionário mão-aberta.) A festa ajuda a viver, para quem tem uma vida sofrida: perguntem a quem faz maracatu ou coco na Zona da Mata. Mas esse entretenimento pode se adensar em um tipo de cultura que nos envolve de todas as formas, nos estimula e nos desperta aquela inquietação boa de quando a gente começa a intuir respostas para as perguntas importantes da vida. O entretenimento ajuda o tempo a passar mais depressa; a cultura garante que ele não passe em vão.