domingo, 19 de janeiro de 2014

3400) Tem livro que (19.1.2014)



Tem livro que eu tenho tanta vontade de ler que toda vez que eu vejo uma edição nova eu compro e boto na estante; aumenta as minhas chances de conseguir ler algum dia.  Tem livro que você compra no lançamento, pega o autógrafo do autor, mas quando começa a ler pensa que era melhor ter trazido para autografar um exemplar do livro que você mais gosta.  Tem livro que começa de um jeito mas a certa altura já virou uma história tão diferente que você imagina como pensaria no livro se tivesse desistido da leitura antes de presenciar daquela reviravolta.  Tem livro que você sabe que já leu: vê os riscos e as anotações feitos por sua própria mão, mas não recorda uma só daquelas frases que sublinhou. Tem livro que tem história legal, o projeto gráfico é legal, mas botaram o desafortunado do texto numa fonte que tanto tinha de elegante quanto de ilegível.

Tem livro “cult” que a gente espera trinta anos até ver um exemplar; compra, leva, e não lê, porque sem ter lido já sabe de cor.  Tem livro tão grosso que a gente começa a pensar: “Isso é um livro pra ler pelo resto da vida”, e o tamanho do volume nos dá uma ilusão de longevidade. Tem livro que cada vez que é relido pode ser cada vez mais subdividido em interpretações. Tem livro que você compra esbagaçado, retalhado, mutilado, e leva pra casa e cuida, você cuida daquele exemplar como cuidaria de um cachorro faminto e doente, se gostasse de cachorros.

Tem livro com ingredientes que a gente gosta, é de um autor que a gente aprecia, mas a gente nunca consegue passar da página dez. Tem livro que eu li pela primeira vez em edições defeituosas, com “cadernos” trocados, o que equivale a trocar os rolos de um filme de celulóide no cinema, e só li a história direito vinte anos depois.  Tem livro que é como uma música que a gente está ouvindo, livro que é como uma história que está acontecendo, que é como um jogo, um quebra-cabeças, tem livro que é como se fosse uma carta de uma pessoa desconhecida que conhece você bastante bem.

Tem livro famoso que você lê e não vê nada de mais, e tem livro que na página 3 você pensa, “está começando uma coisa que eu nunca vou esquecer”, e lê até o fim.  Tem livro besta que eu comprei e guardo só por causa da capa.  Tem livro que eu gosto tanto que planejei lê-lo em todas as línguas que consigo. Tem livro que não é importante, mas vive nas minhas prateleiras há décadas, sem ser consultado, talvez com a única função de ser aberto por acaso uma noite e revelar dentro de si um bilhete, um canhoto de ingresso, uma filipeta de show, um recorte de jornal, uma foto; como uma caixa enorme contendo um pequeno diamante.