sábado, 18 de janeiro de 2014

3399) Os Prisioneiros (18.1.2014)



(Ilustração: Mana Neyestani)

No começo do mês fui eleito o MC para os próximos trinta dias. O sorteio não me indicava há tempos, mas vida de agente penitenciário envolve não somente talento para Relações Públicas e Comunicação de Massas, requer também uma resignação filosófica diante do inevitável. Como estou sempre prevenido, joguei na mesa as idéias que tinha esboçado: um festival de música, a eleição para o refeitório (que vem sendo adiada desde o ano passado), um novo profeta messiânico (Neco Chumbinho, que venho preparando há meses com leituras e laboratórios), e, caso seja necessário um confronto de facções, decidi que o ideal seria um entrevero entre os NecroMobs e os Rasga, que andam meio enfarruscados um com o outro por causa de roubos de celulares.

Marcamos três eliminatórias e uma final para o festival de canções, e acertamos com as facções quem ganharia o quê.  No refeitório, sugerimos um rodízio entre as equipes candidatas, três dias de cardápio e execução para cada uma, com cédulas de avaliação distribuídas na saída e postas nas urnas. Neco Chumbinho foi liberado para percorrer as alas a qualquer horário, orando. Tudo isso deve dar uma sacudida no grupo, e dentro de dez dias o primeiro confronto armado estará maduro. No festival de canções teremos torcidas organizadas, faixas, enquetes; fóruns gastronômicos e nutricionistas na luta política pelo refeitório. Para meu orgulho, o Presídio há muito tempo não dava tantos sinais de vitalidade e espírito participativo.  Começamos a ver nos rostos a exaltação, o entusiasmo, o impulso de realizar coisas. “Você conseguiu chamá-los aos brios”, elogiou o Diretor, sempre cheio de retórica.

Não é fácil administrar um Presídio como este, com 1.200 detentos das mais variadas tendências. “Não pare e não pense”, é o meu lema, e todo o nosso esforço é para transformar isto aqui num redemoinho de atividade, de novidades, de coisas pelas quais vale a pena lutar, sorrir, chorar, vibrar, viver. Não há trancas nas portas, grades nas janelas; não há guaritas, muros ou portões. A partir da última calçada dos alojamentos estende-se um relvado aberto em todas as direções. A estrada fica a um quilômetro, a cidade a dez. Descobrimos depois de tantos anos que mais fácil do que impedi-los de fugir é impedi-los de desejar a fuga; de imaginar a necessidade de uma fuga.  Claro, dá um pouco mais de trabalho, mas eliminamos a necessidade de repressão, o desgaste eterno de vigiar e punir. Eles são felizes, e nós temos a tranquilidade do dever cumprido. O melhor cárcere é aquele de onde o prisioneiro não quer fugir, e para onde ele voltaria correndo, se fosse levado para longe.