quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

3379) FC e política (26.12.2013)



(a Trilogia de Washington)

Num artigo no número atual de The New Yorker, Tim Kreider observa o quanto a literatura dos EUA se distanciou dos grandes temas políticos, e propõe a tese de que a grande literatura política de hoje em dia é a ficção científica. (Isso pode parecer estranho a quem só entende a política através do circo partidário, das disputas eleitorais.) Diz Kreider: “Se os historiadores de daqui a 50 anos lerem a ficção literária de hoje, podem inferir que nossos maiores problemas sociais eram conflitos com os pais, relacionamentos insatisfatórios, e a morte. Se procurarem qualquer indicação de que tínhamos pelo menos um vago pressentimento sobre o crescente conflito global entre Capitalismo e Democracia, ou sobre a catástrofe abissal que nossa civilização estava neste período começando a produzir, talvez tenham que se voltar para (...) a ficção científica”.

O jornalista cita Kim Stanley Robinson (http://nyr.kr/IIiPDF) como um bom exemplo de autor de FC voltado para a política. Ele concentra sua análise na “Trilogia de Marte” (1993-94-96) onde o planeta é colonizado por gerações de terrestres – a quem cabe, evidentemente, administrar a complexa política do futuro mundo. Mas poderia ter citado também outras séries de Robinson como a “Trilogia da Califórnia”, três romances (1984-88-90) em que ele imagina três futuros possíveis e mutuamente excludentes para a região de Orange County, três hipóteses possíveis de futuro político e social para uma única comunidade.

Já comentei aqui outra série de KSR, a “Trilogia de Washington” (2004-05-07), que tem como foco a crise ambiental em curso, vista através de um ambientalista, assessor de um senador dos EUA que acaba se elegendo presidente no meio da catástrofe global. Em seu artigo, Tim Kreider diz que a FC é “um gênero inerentemente liberal (mesmo tendo muitos praticantes que são politicamente conservadores), no sentido de que veem o ‘status quo’ como algo contingente, um acidente histórico, enquanto os conservadores o veem como inevitável, natural, e portanto justo”.  Ele considera que Robinson “tenta aplicar o pensamento científico à política, abordando-a menos como se fosse Física Pura, onde uma equação/ideologia infalível basta para explicar tudo, do que como a Engenharia, um processo que Roosevelt chamou de ‘experimentação ousada e persistente’, descobrindo o que funciona e combinando elementos eficazes para sintetizar uma coisa nova”. A obra inteira de Robinson é um impressionante trabalho de engenharia futurologista, numa época em que grande parte da literatura de seu país passa ao lado da política pisando na ponta dos pés para não despertá-la.