terça-feira, 26 de novembro de 2013

3353) Grandes idéias de FC (26.11.2013)




(freys, em Deviant Art)

Certas idéias científicas parecem óbvias, mas não vejo a ficção científica se dedicando a elas. Por exemplo: por que motivo não pesquisamos (nós, escritores, que ao contrário dos cientistas podemos pesquisar a custo zero) a formação de múltiplas personalidades (“o médico e o monstro”) na mente humana?  

Nem vou falar nas possíveis utilizações pacíficas desse divisionismo, mas citarei, para ver se atraio patrocinadores, algumas utilizações bélicas. Um soldado cuja mente seja, metade, uma máquina pré-ética de matar, e outra metade um carinhoso e patriótico pai de família. Cada um deles podendo ser ativado por um gatilho hipnótico (lembrem o filme O Telefone, de Don Siegel, com Charles Bronson), e assumindo o controle do corpo (do “cavalo mediúnico”) até concluir a tarefa prevista.

Faríamos melhor em investigar o cérebro humano, que bem ou mal estará conosco enquanto formos nós mesmos, do que em construir espaçonaves, gastar milhões de litros de gasolina para ir catar pedras num planeta baldio. 

Fernando Pessoa já ironizava o conceito de personalidade única no “Ultimatum”, um dos textos mais importantes de “Álvaro de Campos”. A produção de individualidades artificiais pode ser apenas uma questão de poucas décadas.

Antigas civilizações pré-colombianas doutrinavam seus neófitos aplicando-lhes na noite do “rito de passagem”, uma dose cavalar de ervas alucinógenas, e depois um passeio por dentro de cavernas labirínticas, ouvindo o eco de vozes, os cânticos, vendo os efeitos com archotes naquelas tortuosas galerias subterrâneas. Quem, no outro dia, acreditaria ter visitado menos do que um outro mundo que misturava cacos de inferno e de paraíso? 

Essas formas artesanais de controle mental mostram que o ser humano é sempre mais maleável do que parece, e Alguém, cedo ou tarde, usa isso em seu proveito.

Usar meios artificiais para criar personalidades distintas não seria mais do que levar às últimas consequências lógicas o processo de socialização que exige de nós atitudes diferentes em diferentes lugares ou atividades. Um Presidente poderia ser um orador carismático e cheio de empatia, e, longe das câmaras, um administrador enérgico, um negociador maquiavélico, e cada uma dessas personalidades só saberia das demais o necessário para funcionar.  

O emprego de múltiplas personalidades artificialmente controladas (inclusive pelo dono original daquele corpo) é uma possibilidade científica muito mais próxima e factível do que a construção de um império galáctico. 

Os escritores de FC preferem falar de impérios galácticos porque é mais fácil se movimentar no Passado (império é coisa do passado) do que no Futuro.