sexta-feira, 15 de novembro de 2013

3344) Viva Millôr! (15.11.2013)




(Quinho)



Millôr Fernandes foi escolhido como homenageado da Flip, Festa Literária de Paraty, um dos mais importantes eventos literários do país. E logo começaram os aplausos, de um lado, e os apupos, do outro. 

Vou logo avisando que estou do lado dos aplausos, e olha que eu participei de um abaixo-assinado defendendo a escolha de Lima Barreto para essa homenagem. Não deu Lima; deu Millôr. É justo?

Na rejeição de alguns a Millôr há uma defesa da “literatura propriamente dita” contra a sua contaminação por outras atividades. 

Entre nós, literatura significa romance, conto e poesia. Para ser grande escritor é preciso ter sido grande numa dessas três áreas. Tanto que aí estão os homenageados anteriores: romancistas/contistas (Guimarães Rosa, Clarice Lispector, Jorge Amado, Machado de Assis, Graciliano Ramos), poetas (Vinicius de Moraes, Manuel Bandeira, Oswald de Andrade. Carlos Drummond), com a ressalva de que alguns se destacaram também em outras áreas. 

Restam os casos do dramaturgo Nelson Rodrigues, mas este também foi um romancista de peso; e do sociólogo Gilberto Freyre, mas pode-se argumentar o impacto cultural e o brilho estilístico do que escreveu.

Millôr não foi romancista, nem contista, nem poeta. Foi autor de crônicas, epigramas, parábolas, anedotas, aforismos, versinhos de ocasião. Foi excelente tradutor, e dramaturgo de sucesso. Foi um dos nossos melhores artistas gráficos, mas isto “não é literatura”. 

Tinha opiniões claras (de muitas das quais discordo, aliás) e corajosas. Ganhou inimizades porque vivia alfinetando os balões da vaidade de muitos figurões e mostrando que eram feitos de 1% de plástico e 99% de vazio.

A grande contribuição de Millôr não foi na área da ficção nem da poesia, e sim na área da linguagem. Na área da fala-escrita, dos jeitos de dizer. Poucos manejaram a língua brasileira com a mesma versatilidade e habilidade dele. Como outros jornalistas, pegou uma língua pesadona, balofa, e deu-lhe leveza e graça de bailarina ou de craque de futebol. 

Foi um dos maiores fazedores de frases num país que é fértil nesse tipo de talento; e se alguém disser que frase não é literatura é porque pensou no assunto pela primeira vez neste momento.

Isto ele compartilha com Lima Barreto: a linguagem simples, direta e riquíssima. Sua originalidade vem da ousadia das idéias expressas em palavras simples. Millôr combateu a prosa enfatiotada e oca, o beletrismo oratório que levou antas e mais antas às Academias e aos manuais escolares. 

Combateu o Monstrengo Pomposo, aquela prosa “capaz de acrisolar no cadinho do vernáculo as emoções candentes que diuturnamente se estiolam na labuta do louvor às Musas...” Vôte.