terça-feira, 29 de outubro de 2013

3329) Lou Reed (29.10.2013)



(foto: Lou Reed)

Vivemos celebrando roqueiros como Janis Joplin, Jimi Hendrix, Amy Winehouse, que viveram todos os seus 27 anos no fio da navalha. O que dizer de quem estendeu esse prazo até os 71?  Lou Reed foi no rock a cara de um decadentismo high-tech que juntava rock americano com vanguarda poética fin-de-siècle, uma cultura da dissipação, um hedonismo dark.  Ao mesmo tempo, pegou carona na estética da androginia e do livre-amorismo dos beatniks e dos hippies que o antecederam. Seu primeiro grande voo foi sob a asa do rei da vanguarda dândi, Andy Warhol, e seus últimos anos foram vividos ao lado de Laurie Anderson, uma performer-pop que podia fazer-lhe frente, com luz e estética próprias. 

Era um cantor limitado mas bastava-lhe cantar um minuto para o ouvinte entender que os critérios ali eram outros. Quando em “Walk on the Wild Side” ele diz: “and the colored girls say / doo doo dooo...” é como se a música ainda não estivesse pronta e ele a estivesse mostrando a um amigo, descrevendo o que elas fariam neste trecho. Há um livro de Philip K. Dick em que o cara para diante de uma barraca de refrigerantes e quando vai fazer o pedido a barraca desaparece e fica em seu lugar, no chão, um papel onde está escrito: “Barraca de Refrigerantes”. Lou Reed diz: “Aqui, as morenas fazem du-du-du...”

Um jornal de São Paulo registrou no saite, durante o domingo: “Morre o guitarrista Lou Reed”. É um pouco como dizer “morre o dançarino Renato Russo” ou “morre o pandeirista Ringo Starr”. Reed tem uma frase famosa, que diz mais ou menos: “Uma música com um acorde está ótima, com dois está tudo OK, com três a gente já está entrando no domínio do jazz”. Uma estética não muito diferente da de Erasmo Carlos, que dizia algo assim, “três acordes e deixa que eu me viro”.

Poeta de vários estilos mas sempre à vontade nos domínios do Beat, da cultura que tenta juntar esses dois extremos: excesso e refinamento. Tinha interfaces poéticas com Ginsberg, tinha algo da autodestruição contemplada de Bukovski. Tem algo do ascetismo tecno-gótico de William Gibson, mas com uma carga de erotismo que em Gibson se manifesta pouco. Nunca pareceu levar o rock excessivamente a sério, mas ao mesmo tempo levou-o o bastante para ficar rico com ele, e para que os que gostam de rock o reconhecessem como um dos seus.

Morreu após um transplante de fígado, aos 71 anos. Para quem se aplicou quase todo tipo de droga e de excesso que lhe foi acessível, é uma façanha comparável aos mais de 80 anos de William Burroughs. Um dia, a longevidade dos nossos roqueiros causará espanto e incredulidade num mundo futuro em que gente assim jamais ultrapassa os vinte e cinco.