quarta-feira, 18 de setembro de 2013

3294) Os monotemáticos (18.9.2013)




(by Juan Muñoz)


A noite de lua cheia derramava vias-lácteas pelo Cariri. Silêncio na fazenda Vem-Vem. Seu Dô estava sem sono e saiu para fumar um pouco no terreiro. Viu luz lá longe na casa do primo, Marcão. Foi se chegando devagarinho e mal tinha dado o boa-noite e puxado um tamborete para a calçada apareceu o Dr. Edson, que estava hospedado ali. Ele trazia uma garrafa de Brejeira e um copinho, que logo entrou na roda.

“É impressionante o Universo”, disse o Dr. Edson. “E na cidade a gente não pode ver o céu, por causa das luzes! A gente chega no Cariri e fica tonto de tanta estrela.” Seu Dô se recostou na parede e aduziu: “Impressionante é como o Governo gasta energia e não toma providências. Quando vou na capital vejo de madrugada os prédios públicos, tudo aceso. Aí, quando dá um apagão, eles se queixam de que falta energia, e aumentam os impostos! É só o que sabem fazer.” Marcão deu uma risada e disse: “Isso só me lembra um verso de Joãozim Pantoja: ‘Prefiro morrer de frio / embaixo dum viaduto’”.

O Dr. Edson virou uma dose e veio: “De fato, a cidade está cheia de gente sem teto, mas não são somente os mendigos. O Universo inteiro vai morrer de frio. Um dia ele vai consumir toda a energia de que dispõe, e se transformará numa fornalha fria.”  “Exatamente,” disse Seu Dô; “mas por incrível que pareça é proibido questionar o nível de desperdício dos Governos e das indústrias. Temos energia solar, eólia... mas o Congresso e o Executivo estão sequestrados pelos ticões do petróleo.”  Marcão virou sua dose, limpou a boca e trouxe: “Como disse o poeta: Sou incêndio num poço de petróleo, arrasando o orçamento da nação!”

Houve uma pausa filosófica. Dr. Edson, ergueu o dedo, apontou: “Olha só, o Cruzeiro do Sul. Os navegadores católicos, ao cruzar o Equador rumo ao sul, devem ter considerado essa cruz no céu como um sinal verde, um sinal boas-vindas.” “Que aliás nunca foram escassos,” disse Seu Dô sem perder uma batida, um respiro; “os portugueses sempre agiram como se isto aqui fosse a casa deles, e o Cruzeiro não existe, é apenas a impressão visual produzida, sobre nosso ângulo de visão, por estrelas que na verdade não formam cruz alguma, estão muito distantes entre si.”  Marcão deu um trago e concordou: “Tem um verso de Jó Patriota lindo, sobre o luar, mas está me escapando agora”.

E prosseguiram assim. O Dr. Edson lembrou o projeto de colonização do planeta Marte, Seu Dô concordou que projetos colonialistas eram típicos de impérios decadentes, e Marcão relembrou uma sextilha de Pinto. Então uma nuvem cobriu a lua, e começou a neblinar. Os três bocejaram, despediram-se, recolheram-se, e dormiram em paz.