terça-feira, 20 de agosto de 2013

3269) Os ódromos (20.8.2013)



Circula a notícia de que a PM carioca sugere a criação de um Manifestódromo onde venham a se concentrar os novos protestos populares, que estão causando transtorno à cidade. É como se dissessem: “Um milhão de pessoas uma vez por ano, tudo bem, mas 500 gatos pingados todo dia não pode!”.

Há um paradoxo curioso e talvez insolúvel na criação de um espaço delimitado e oficial para protestos públicos. Tudo que os governos e as autoridades querem é controlar esses protestos, dizer o que pode, o que não pode, como vai ser, como não vai. O governo quer ser o coreógrafo do protesto, o carnavalesco da manifestação. Demarcar um lugar, estabelecer um horário (“é permitido protestar aqui das 6 às 8 e meia...”), disciplinar a produção sonora (“bater latas pode, soltar fogos não”), gravar e filmar quem entra e quem sai... Qualquer governo fará o possível para conseguir isso.

Por outro lado, tudo que manifestantes, protestadores, anarquistas, baderneiros, vândalos e rebeldes em geral querem é justamente não se deixarem controlar dessa forma. Para eles, liberdade concedida não é liberdade, protesto consentido não é protesto, revolta autorizada não é revolta. E têm razão, não é mesmo? Talvez o resultado prático traga contratempos para todo mundo, inclusive para mim (que fico preso no engarrafamento) mas filosoficamente não posso contestá-los.

Tudo que termina em “ódromo” fica com um cheiro de coisa fake, coisa falsificada, marca de fantasia. Não sei se foram Brizola e Darcy Ribeiro que batizaram com esse nome o Sambódromo carioca (foi Darcy, com certeza, quem criou a expressão “Praça da Apoteose”). O modelo, claro, foi o Autódromo de Jacarepaguá; durante a construção da Passarela do Samba, o termo “sambódromo” surgiu na imprensa e acabou pegando. Logo depois, veio o Camelódromo da Rua uruguaiana, para onde foram recambiados todos os camelôs e ambulantes que transformavam o centro do Rio num enorme mafuá. Hoje, o Camelódromo funciona que é uma beleza, vive cheio de gente, é um dos lugares mais tupinipunks do Rio de Janeiro, e o centro está virando o mesmo mafuá de antigamente.

Sambistas, camelôs, manifestantes... Esse tipo de gente é incontrolável, tanto pela sua mania de só fazerem o que querem quanto pelo fato de que parecem brotar de um formigueiro inesgotável. Muitas autoridades adorariam montar uma frota de cargueiros e embarcá-los para a Mauritânia ou a Indonésia. Como não podem, recorrem às pranchetas dos técnicos e ao concreto das empreiteiras. Talvez daqui a poucos anos o Rio tenha um “ódromo” a mais, o que não quer dizer que terá manifestantes, baderneiros ou vândalos a menos.