sexta-feira, 3 de maio de 2013

3176) Livros e drogas (3.5.2013)





("As drogas são malvadas. Elas fazem você perceber o quanto a realidade é uma porcaria.")

Carlos Drummond se referiu uma vez à “cocaína moral dos bons livros”. A palavra cocaína hoje está associada ao vício, ao tráfico, e a outras zonas de moral duvidosa, mas no tempo em que o poeta escreveu talvez estivesse mais associada à farmacologia e à automedicação recreativa de jovens inofensivos de classe média. 

Pedro Nava, num dos seus livros de memórias, lembra a época em que, durante as madrugadas de farra e boemia, ele e os amigos entravam numa farmácia e compravam cocaína, que na época era vendida livremente. O que era a cocaína para eles? Um aplicativo químico que, uma vez instalado, servia para “acelerar as asas do juízo”, como dizia Pinto do Monteiro. Vicia? Claro que sim. Até chocolate vicia, quanto mais um troço feito em laboratório.

Mas Drummond dizia mesmo é que os bons livros produzem um efeito moral tão estimulante quanto o efeito físico da droga. 

Há livros que, lidos e relidos, dão energia, alegria, vontade de viver, vontade de fazer um milhão de coisas. Há livros que deixam a cabeça da gente fervilhando de projetos, de coisas para pensar e para dizer, e de uma certa confiança em poder fazer isso tudo. 

Há livros cujo trato com a linguagem, com a palavra, deixam a gente tão eletrizado que bastam 15 minutos de leitura para render um dia de trabalho. Isso funciona com todo mundo? Infelizmente não. Só funciona com quem “é dos livros”, e isso leva tempo e convivência para adquirir; na maior parte dos casos é adquirido sem nem haver intenção. Quando o jovem leitor dá por si, está fisgado.  

É como adquirir uma habilidade, uma técnica; requer  vontade e vivência, requer o mergulho profundo nesses livros. A vantagem é que, em geral, basta a primeira leitura de um livro assim para nos mostrar que ele pode desempenhar essa função em nossa vida.

Em outro momento, Drummond diz: “Meu verso é minha consolação. Meu verso é minha cachaça”. E ele se compara ao capiau que toma sua lapadazinha de cana numa caneca de folha-de-flandres. Já é outra droga: a droga anestesiadora, consolatória, tipo “bebo para esquecer”. 

O verso (=o livro) dos outros, ao ser lido, é estimulante. O verso (=o livro) próprio, ao ser escrito, é uma consolação. O que lembra a famosamente humilde frase de Jorge Luís Borges: “Que os outros se orgulhem dos livros que escreveram – eu me orgulho dos que li”. O que a gente lê é sempre, irritantemente, melhor do que o que a gente escreve. 

Escrever, como se diz hoje, “é uma terapia”. Uma droga apaziguadora, um calmante para tocar a vida adiante. E foi Manuel Bandeira quem resumiu esse nosso dom de escolher: “Uns tomam éter, outros cocaína. Já tomei tristeza, hoje tomo alegria”.