domingo, 24 de fevereiro de 2013

3118) O Convertido (24.2.2013)




Todos nós conhecemos o tipo. 

Pode ser o sujeito farrista e raparigueiro que um belo dia descobre a Bíblia e o culto de domingo à noite.  

Pode ser o rapaz de boa família burguesa que a certa altura descobre os livros de Marx e Che Guevara e fica rodando pela cidade atrás de companheiros para fundar uma célula subversiva e tomar lições de tiro ao alvo. 

Pode ser o pai de família discreto e moralista que na meia-idade começa a sair com uns rapazes exuberantes e em breve separa da mulher, vai morar com um deles, e passa a soltar a franga como quem quer tirar décadas de atraso. 

Pode ser o oposicionista implacável que sempre castigou com seu látego verbal todos os sucessivos governos mas de repente deixa-se cooptar por um deles e agora vive bordando elogios e mensagens de otimismo à mera menção do nome do caudilho da vez.  

Pode ser o beberrão incontinente que depois de anos de vexame descobre uma terapia qualquer, cura-se e passa ser o arauto da temperança e da sobriedade, pra quem até um carro a álcool é um passaporte para o inferno.

Os exemplos são tantos que acabam convergindo todos para uma coisa só. O Convertido é simplesmente um radical que só sabe ser radical; sente tal volúpia na própria radicalidade que pouco importa em nome de quem ou do quê ela esteja sendo praticada. Depois que esgota um lado do problema, ele arregaça as mangas e começa a se dedicar ao outro.

A questão mais interessante é, para mim, a facilidade com que o cara se converte, a absoluta sinceridade com que o faz, e a felicidade esfuziante que experimenta com essa mudança. 

Na verdade, o Convertido é um sujeito que nunca havia se dado o trabalho de prestar atenção no lado oposto. Fez sua primeira escolha muito cedo na vida, ou talvez seja melhor dizer que a escolha foi feita por ele, e ele a aceitou, porque, como todo jovem, estava pensando noutra coisa. O tempo o fez roer essa outra coisa até os ossos. Instalou-se um vazio nele, e em volta dele.  

Um belo dia, sucedeu algo que o fez pela primeira vez prestar atenção naquelas pessoas a quem detestava ou desprezava, com quem se recusava a dialogar, e cujos argumentos desconhecia. Esses novos argumentos preencheram aquele vazio, fizeram-no abrir os olhos para um milhão de coisas novas que o invadiram por um flanco desguarnecido. A ficha caiu. 

Aliás, era um tal cair de fichas uma atrás da outra que o sujeito acabou se convertendo justamente àquelas idéias que se esforçara para ignorar, com as quais nunca debatera, aquelas idéias que nunca examinara, aquelas idéias para as quais ele sempre fechara os olhos e os ouvidos – vai ver porque sabia que era daquilo mesmo que estava precisando.