sábado, 5 de janeiro de 2013

3075) O corpo (5.1.2013)






Tudo que a gente deseja é a certeza de que está vivo. Porque somos bichos, somos criaturas de carne, osso e sangue. Só se tem essa certeza através do corpo, pois a mente engana muito. 

Gente que come demais, que faz sexo demais, gente que malha demais, que corre, que sua... Todos fazem isto porque naquele instante privilegiado têm a certeza de que estão vivos, de uma maneira que um sujeito mais mental não tem. O corpo não mente.

A mente mente, pois basta-me ler Dostoiévski para me imaginar em Moscou, basta sonhar para estar noutro mundo, e nada me prova que não sou um mero avatar, um “carinha” manipulado por um jogador ultradimensional que neste instante deve estar dando uma boa gargalhada ao ler esta frase que digitei. 

A mente engana porque se recria muito bem, é capaz de superpor à realidade física uma realidade subjetiva, projetada.  E aliás é pra isso que a mente serve, não é mesmo? Se fosse só para enxergar o que temos diante do nariz, nem precisava.

Já o corpo, é uma coisa só, o tempo todo, sem esbarrar, apenas sentindo seus calores e frios, suas fomes e empanturramentos, sua dor e seus deleites. O corpo é apenas ele mesmo, bruto, concreto, descomedido. O corpo não sonha.  Para ele existe apenas o aqui-e-agora.

A tragédia de quem vive em coma profundo é ter-se tornado mente, somente.  É estar preso na própria mente sem sentir o próprio corpo, sem o contato com a vida que só se tem através do corpo. 

É por isso que a idéia Trans-humanista de que um dia poderemos fazer “upload” de nossas consciências para um Hiper-Ultra HD me parece fascinante mas impraticável. Supondo que eu pudesse tirar uma cópia instantânea, agora mesmo, de tudo que guardo nos meus vários níveis de (in)consciência e depois cremar meu corpo, como essa minha mente existiria a partir de então?  Como, sem esse espantoso instrumento de input sensorial que é o corpo? 

Pensem na nossa pele, nos milhões de nervos, nos sistemas nervosos autônomos, nos processos circulatórios, digestivos, respiratórios e musculares que ocorrem o tempo todo e que nossa mente monitora o tempo todo, só nos deixando lembrar dessas coisas quando uma delas começa a doer ou dá um piripaque. 

Mente digital sem corpo? Duvido. Ela se dissolveria em entropia de signos, de memórias desenraizadas, de imaginações sem bússola, uma ventania de pensamentos em todas as direções, sem a vida pulsando no corpo para lhes dar lastro, presença, um centro de gravidade.  

Sem corpo nossa mente se dispersaria em sub-rotinas cíclicas em círculo vicioso. O corpo é nossa interface com o mundo, e sem ele nossa mente seria a lixeira da biblioteca de Babel, sem função e sem sentido.