quinta-feira, 15 de novembro de 2012

3031) Vamos salvar a Grécia (15.11.2012)




(O Desprezo, de Godard)


Numa entrevista que deu este ano à imprensa, Jean-Luc Godard sugeriu uma solução pouco ortodoxa para a crise econômica da Grécia. Como se sabe, a Grécia entrou para a União Européia como aquelas enormes famílias suburbanas que mal arranjam um dinheirinho vão morar num condomínio de luxo. Eles descobrem que viver num condomínio de luxo é muito bom para os que desfrutam do luxo, mas nem tanto assim para os que pagam o condomínio. A Grécia tem certamente uma elitezinha, uns “aristos” que multiplicaram por dez suas posses e suas contas na Suíça, mas o povo grego está pagando caro pelo sonho de ser rico.

Godard tem uma solução. Ele nos lembra que os gregos nos deram a filosofia, a lógica, o encadeamento conseqüencial de raciocínios e argumentos, e que tudo isto está cristalizado na palavra “logo”, como a usamos em “penso, logo existo”. Esta palavrinha nos permite conectar conclusões do pensamento. E Godard sugere que comecemos a pagar direitos autorais por ela, já que é uma criação do pensamento grego. Vivemos numa sociedade em que é preciso pagar cada vez que utilizamos as palavras ou as idéias de alguém. Então, comecemos pelo começo de tudo – a Grécia Antiga!

Diz Godard: "Se formos obrigados a pagar dez euros à Grécia cada vez que usarmos a palavra 'logo', a crise acabará em um dia, e os gregos não precisarão vender o Partenon aos alemães. Temos no Google a tecnologia para rastrear todos esses 'logos'. Podemos até cobrar das pessoas pelo iPhone. A cada vez que Angela Merkel disser aos gregos 'nós emprestamos todo esse dinheiro a vocês, logo vocês precisam nos pagar de volta com juros', ela será obrigada, logo, a pagar primeiro aos gregos pelos royalties."

Godard é cruel com os algozes e com as vítimas. Ou melhor: ele mostra o quanto este mundo fraturado pelo dinheiro é cruel com ambos. A Alemanha se julga um Monte Olimpo de estabilidade e conforto, e se irrita com a presença física dos migrantes ou com a presença econômica das nações amigas, de pires na mão, pedindo ajuda. Pois é... Por que tanta coisa na nossa civilização é compartilhada gratuitamente, mas em alguns domínios é preciso pagar, pagar, pagar?  E nós, que cultivamos uma coisa metade profissão metade paixão, temos que dizer a toda hora, a todo mundo: Você vai ter que pagar pelos meus livros, meus filmes, minhas canções. Vai ter que pagar pelas minhas idéias, opiniões, críticas, conselhos. Vai pagar pelas minhas perguntas e pelas minhas respostas. Vai pagar pela minha conversa, pela minha companhia, pela minha presença. Vai ter que pagar pelo abraço, pelo beijo, pelo sexo, pelo olhar. Vai pagar assim tão caro, somente pra me ouvir e ver?