quinta-feira, 13 de setembro de 2012

2975) "Godard: The Game" (13.9.2012)



"É irônico que um dos videogames mais populares de 2031 se baseie, ao invés de numa HQ de super-heróis, na obra de um diretor tido como um dos mais herméticos e de menor índice de entretenimento do século 20.  

"Explica-se pelo fato de que Jean-Luc Godard, que em seus filmes cultivava uma intenção fanática de não emocionar o público, baseava-se quase sempre num tipo de literatura que visava o contrário.  Pode-se assim dizer (como grande parte da “intelligentzia” tem se queixado) que o game é infiel ao espírito de Godard; mas a verdade é que ao lançar mão de suas fontes de inspiração (o romance e o filme “noir” americanos, as histórias em quadrinhos, a cultura de massas, etc.) os produtores e game designers da Omegaville Inc. produziram um dos mais excitantes conjuntos de aventuras dos últimos tempos.

"Aqui, os godardmaníacos encontrarão inúmeras narrativas entrecruzadas, numa webwork hábil e que felizmente não se sente obrigada a dar muitas explicações.  

"O jogador que perseguir a trama policial de Made in USA pode se envolver a qualquer instante no thriller político de O Pequeno Soldado, e sair deste para um ambiente de guerra de Les Carabiniers.  Nana, a prostituta de Viver a Vida, é inteligentemente utilizada como ponte por onde o jogador passa de uma para outra das histórias parisienses: a aventura criminal de Acossado, os pequenos delitos de Bande à part, as conspirações subversivas de A Chinesa, as intrigas amorosas de Masculino Feminino, Uma mulher é uma mulher, etc.

"Há tiros, socos e perseguições na medida certa para os que não passam sem isso; discussões existencialistas e políticas podem atrair o leitor mais “old fashioned”, enquanto que as cenas de sexo (não apenas com Nana) são de uma franqueza quase jornalística, o que de imediato fez do game um divisor de águas.  

"A lamentar apenas a ausência de uma trama de FC: os direitos de Alphaville foram comprados por outra empresa e deverão resultar num game independente.  Mas Lemmy Caution, personagem daquele filme, é uma figura onipresente, com sua imagem de avatar frankmilleriano.  

"Só resta avisar ao jogador que quando os desfechos de todas as tramas se entrelaçam e elas começam a colapsar uma a uma, entramos no universo de O desprezo, o universo de um filme (no caso, um videogame) que está sendo feito, e todos os mistérios se esclarecem nessa nova situação.  

"Um final metalinguístico (que não é nem um pouco prejudicado por essa revelação) bem à altura do diretor que fez do cinema o tema principal de seus filmes. Aqui, o game é o tema principal do game, e o jogador sabe disto desde os primeiros movimentos.  Cotação: 5 estrelas."