terça-feira, 4 de setembro de 2012

2967) Realidades Adaptadas (4.9.2012)




Realidades Adaptadas é a coletânea de contos de Philip K. Dick lançada há pouco pela Editora Aleph, de São Paulo, dentro da sua ótima linha de clássicos da ficção científica.  Esta coletânea é talvez única no mundo, pois embora os sete contos incluídos aqui tenham sido republicados em numerosas revistas e antologias, este é o único volume que reúne especificamente histórias que foram adaptadas para o cinema. (Por questões de espaço estão ausentes, claro, os romances que foram filmados, como Blade Runner e outros.) Depois da morte de Dick em 1982, o mesmo ano de lançamento de Blade Runner, sua obra foi redescoberta ao mesmo tempo pelo público e pela crítica.  É engraçado ver hoje nas edições da prestigiosa Library of America, cercados de aparato conceitual e teórico, livros que tiveram sua primeira edição em formato de bolso, com capas de “pulp fiction”.  O prêmio Philip K. Dick, concedido anualmente, é destinado ao melhor livro cuja primeira edição saiu no menosprezado formato de bolso, ou “paperback”. 

O mais interessante nesta antologia é avaliar a distância que vai, por exemplo, do conto original “Lembramos para você a preço de atacado” ao filme O vingador do futuro, com Arnold Schwarzenegger (não vi ainda a refilmagem recente). O conto original é apenas o ponto de partida – um operário paga para receber um implante de falsas memórias em que ele é um espião que retornou de uma missão secreta em Marte, mas a partir de certo ponto não sabemos mais se isto aconteceu de fato ou se a tentativa de implante despertou memórias reais porque ele era de fato um espião. 

Essa ambiguidade do “real recordado” é discutida por Freud e por inúmeros psicólogos, que desmascaram o modo como estamos o tempo inteiro reescrevendo as coisas que lembramos.  Evocar um fato da infância, por exemplo, é como abrir um arquivo no computador e olhar o que tem dentro. Ao fechar de novo o arquivo, nós o salvamos com quaisquer alterações que tenhamos feito, mesmo sem querer, durante o acesso. Quanto mais vezes acessamos uma recordação, mais ela vai se contaminando de interpretações, associações de idéias que não estavam presentes no momento original, comparações com outras memórias. A tal ponto que é frequente a gente lembrar com nitidez absoluta de uma coisa que não aconteceu.

No filme essa dúvida se dissipa logo, porque nos dizem que Douglas Quail (Schwarzenegger) era mesmo agente secreto e fim de papo.  O conto de Dick, porém, faz um jogo de espelhos em que a cada interferência na mente no protagonista ficamos mais longe de saber se tudo aquilo era ou não era real. É um conto de 1966 que será sempre atual.