terça-feira, 10 de julho de 2012

2919) Anderson x Sonnen (10.7.2012)








Sábado passado, a luta UFC 148, em que o brasileiro Anderson Silva derrotou o norte-americano Chael Sonnen no 2o. assalto, deu a bilheteria mais alta na história desse esporte: 7 milhões de dólares de ingressos, sem contar os lucros de patrocínio e de transmissões na TV aberta e em pay-per-view. A publicidade foi incrementada pelas entrevistas e declarações de Sonnen, que, derrotado na primeira luta, soltou o verbo contra o brasileiro (e contra o Brasil).  Nos dias antes da luta, falava-se: “Não vai ser uma luta, vai ser um massacre”, ou então “Não vai ser uma luta esportiva, vai ser uma briga entre dois caras que estão cheios de ódio um pelo outro”. 

Nem tanto.  Sonnen atacou mais no primeiro assalto e Anderson se defendeu com perfeição. No segundo foi a vez do brasileiro ir para cima e nocautear o outro.  Fez mais ou menos como seu time, o Corinthians, fez nos dois tempos contra o Boca Juniors semana passada.  No final, Anderson (que cultiva a imagem “bom rapaz”) puxou para perto de si um Sonnen contrafeito (ele cultiva a imagem “bad boy”), falando ao microfone que aquilo era apenas um esporte, que nada tinham um contra o outro, etc.

Temos milhões de anos de luta gravados em nosso DNA, e poucos séculos de esporte. O esporte é luta sublimada, esvaziada de raiva real, transformada num ritual simbólico onde se confrontam as respectivas habilidades (futebol, tênis, natação, basquete, tudo).  As lutas tipo box e luta-livre, no entanto, são esportes ainda perigosamente próximos da selvageria primitiva. Deslizam com facilidade para o terreno da raiva, do impulso matador, predador. 

E o público oscila entre as duas experiências. Uns (eu, por exemplo) querem o jogo, a luta violenta mas sem raiva, em que depois do fim os lutadores se abraçam, o perdedor parabeniza o vencedor, que por sua vez o elogia, e depois vão comer churrasco juntos. Mas existe uma parte do público a quem esse fingimento incomoda.  Eles querem briga de verdade.  Não querem essa “hipocrisia” de dois caras quebrando a cara do outro e depois dizendo-se amigos.  Querem ter certeza de que está acontecendo alguma coisa de verdade, de que aquela luta exprime um conflito real entre minha raça e a sua, meu país e o seu.

É como nos velhos tempos da Cantoria de Viola, quando o cantador-de-fora tentava humilhar o cantador-local dentro do seu reduto, e o outro tentava defender a honra de seu vilarejo. Quando Sonnen insultou o Brasil em suas entrevistas, estava tentando recuperar esse espírito de briga-de-verdade. Algumas pessoas (basta lembrar Mike Tyson) só brigam bem quando estão sentindo raiva.  Sonnen, pelo que foi visto, nem assim.