sábado, 7 de julho de 2012

2916) Marte Um (7.7.2012)








Um grupo de holandeses malucos está tentando criar um projeto espacial mais ousado do que o das sondas marcianas e da estação espacial.  A idéia é mandar para Marte uma expedição tripulada, que lá deverá construir uma base, onde todos eles habitarão até o fim de suas vidas, sabendo que sua volta à Terra não está prevista. Tudo que lhes acontecer no outro planeta será visto como um reality show por países da Terra inteira. Pensa-se de início num custo de 6 bilhões de dólares, que, comparados às cifras das primeiras páginas dos jornais de hoje, são até uma soma modestíssima.

O dono do projeto é Bas Lansdorp, de 35 anos, dono de uma companhia de energia eólia. Ele ainda está em busca de patrocinadores para o projeto, que se chama “Mars One”. A idéia é treinar os astronautas durante dez anos, e mandá-los para Marte em 2023. Será arriscado?  Será desumano? Será lucrativo? Só se sabe fazendo, assim como (admite Lansdorp) o treinamento não pode se comparar, ainda mais no aspecto psicológico, ao indivíduo vivendo uma situação “agora é pra valer”. 

Luís Buñuel pensou numa possibilidade parecida. Comentando o misterioso enclausuramento dos comensais em O Anjo Exterminador, ele disse que o filme dele não pode se comparar nem ao famoso quadro de Géricault A Jangada da Medusa (náufragos amontoados numa balsa) nem a “um filme de ficção científica sobre quinze astronautas numa espaçonave perdida pelo espaço”.  Porque o que distingue essas histórias é que os personagens estão fisicamente impedidos de escapar, mas no filme de Buñuel nada os impede, além das coisas que pensam; sua barreira é mental.  Em Marte, será física.

Talvez o projeto de Lansdorp tenha um aspecto buñuelesco. O mundo (este mundo) está preso numa sala de visitas, num coquetel ou jantar-de-gala interminável, enquanto a cozinha pega fogo, os quartos se deterioram, e o mato bravo toma conta do jardim. Como na festa dos burgueses em L’Âge d’Or, em que uma carroça de camponeses bêbados cruza o salão de baile, sem que ninguém dê o braço a torcer percebendo-a, continuamos em plena Ilha Fiscal. Só falta mesmo é criar um reality show interplanetário, uma mistura do Show de Truman com Robinson Crusoe em Marte.

Nada impede, também, que o reality vire, sei lá, uma série policial. Digamos que um dos “marcianos” enlouqueça e, mostrado pelas câmaras para toda a Terra, mas não para a Base, a história se tornará um mistério policial, tipo “dez negrinhos” morrendo em contagem regressiva. Uma espécie de thriller de suspense onde um bilhão de espectadores, impotentes para interferir, verão o criminoso executando os colegas um por um, sem que ninguém possa avisá-los.