quarta-feira, 11 de abril de 2012

2841) Dinheiro é droga (11.4.2012)




O Capitalismo começa como uma espécie de realismo pragmático, mas depois de um certo ponto degenera em delírio quantitativo. 

No começo, ele é materialista até a medula. Escarnece da religião, faz pouco das ideologias, torce o nariz para a arte, dá um chega-pra-lá em todos os subjetivismos e diz que no mundo somente as coisas materiais contam. Só conta o que dá resultado, o que gera riqueza, o que produz. 

É nessa fase, por exemplo, que as manifestações artísticas são enxotadas para o sótão dos “Passatempos Para Gente Desocupada”. Por que perder tempo com coisas que provocam apenas prazer estético e enriquecimento espiritual? Já que ninguém pode quantificar prazer estético, ninguém pode lucrar planejadamente com ele. Quanto ao enriquecimento espiritual, pra começo de conversa não existe essa coisa chamada espírito.

Na sua fase produtiva, o capitalismo impõe um culto à produção, à matéria, às transformações das matérias primas em produtos. Esse culto é tão forte que contaminou o próprio comunismo, em suas tentativas falhadas de substituir o adversário. Estatizando o Capital e glorificando o Trabalho, o comunismo perpetuou e ampliou as ladainhas à máquina, à indústria, à produtividade, à transformação da natureza. 

Materialista por definição, o comunismo foi, neste aspecto, uma mutação avançada do capitalismo. Só existe o que é “material”.

O que destruiu o capitalismo e vai destruir o mundo (não se enganem) é o estágio seguinte, em que a Matéria cede lugar ao Símbolo. 

O capitalismo deixa de ser concreto e passa a ser abstrato. Já não conta mais quantas moedas de ouro você possui, e sim quantos zeros você acumula em suas contas bancárias. 

O Capitalismo Financeiro sucedeu ao Capitalismo Produtivo e começou a tirar milhões de coelhos virtuais de dentro da inesgotável cartola das manipulações bancárias. É irônico que um sistema de pensamento tão voltado para o que é sólido tenha se desmanchado no ar com tanta facilidade; e que as “águas glaciais do cálculo egoísta” tenham se evaporado nessa neblina impalpável, nessa nuvem dos trilhões de dólares inexistentes que são negociados todos os dias nos mercados mundiais. 

Trilhões de zeros que bancos, empresas e países vendem, compram, revendem, emprestam, dividem, partilham, multiplicam, como se esses zeros todos valessem alguma coisa, como se existisse algum lastro produtivo (ouro, prata, grãos, capim, sei lá, qualquer coisa que servisse para algo no mundo real). 

O Capitalismo embebedou-se de Capital, passou a se alimentar não de produção mas de ficções financeiras, como um drogado que deixa de comer e de beber água, para poder continuar se drogando.





2840) Detetives psíquicos (10.4.2012)



(At the European Concert, Seurat, 1887-1888)

A paranormalidade é uma zona crepuscular entre a ciência e as doutrinas espiritualistas. Envolve uma quantidade enorme de fatos extraordinários (telepatia, precognição, psicometria, clarividência, etc.), para os quais a ciência ainda não tem explicação. As doutrinas espiritualistas os explicam com a sua hipótese padrão, a de que os seres humanos possuem uma alma que sobrevive à morte do corpo físico e é capaz de se comunicar com os vivos, em circunstâncias especiais. Os dois grupos trabalham com critérios e parâmetros diferentes, e cada um recusa os parâmetros do outro. É como aquela discussão entre um cosmólogo e um bispo, em que o cosmólogo se queixou de que ninguém era capaz de provar cientificamente a existência de Deus. O bispo retrucou que ninguém conseguira provar teologicamente a existência do Universo. (Talvez o bispo não estivesse bem informado, porque me parece que muitos dos filósofos cristãos aceitam, sim, a existência do Universo – se bem que como um efeito colateral da existência de Deus.)

Teorias à parte, o que existe é um impressionante acúmulo de fatos paranormais. Como não há explicação científica para eles, muitos cientistas tentam desqualificá-los com acusações de charlatanismo, auto-sugestão, alucinação, coincidências, histórias mal contadas, testemunhas não confiáveis, etc. Colin Wilson é um dos mais dedicados pesquisadores desses fatos, conhecido dos leitores brasileiros, nessa área, pelo ótimo O Oculto (Ed. Francisco Alves). Estive relendo The Psychic Detectives (1984), em que ele examina a paranormalidade em geral e depois se concentra na atividade dos detetives psíquicos, indivíduos a quem a polícia recorre quando não consegue elucidar um crime ou localizar uma pessoa desaparecida. Esses “psíquicos” (a palavra em português é apenas adjetivo, mas em inglês é usada também como substantivo, designando a pessoa que tem essa capacidade) são capazes de “ver” flashes do crime apenas pegando numa peça de roupa, numa fotografia, num papel manuscrito ou em qualquer objeto que tenha estado em contato com ela. Às vezes basta-lhes olhar um mapa para indicar com precisão o local do crime ou o local onde a vítima foi oculta.

Wilson compara esses psíquicos a concertistas musicais, e diz: “Esse nível de habilidade é mantido por uma prática constante, esforço constante; até mesmo um grande pianista sabe que precisa praticar várias horas por dia. Uma das razões pelas quais os psíquicos são muito mais erráticos do que os pianistas é, sem dúvida, que eles tendem a ser preguiçosos a respeito do seu dom, aceitando-o como algo natural, que não precisa ser desenvolvido”.