sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

2759) “Bonita Maria do Capitão” (6.1.2012)



O centenário de nascimento de Maria Bonita, mulher de Lampião, motivou o lançamento de um livro que celebra sua vida e seu mito, realizado por Vera Ferreira (neta do casal) e Germana Gonçalves de Araújo. É um álbum de luxo (Editora da Universidade do Estado da Bahia, www.uneb.br), com excelente produção gráfica e uma abundância de fotos e de documentos de época, na primeira parte, e na segunda um apanhado do reflexo da figura de Maria Bonita na cultura brasileira em geral. Eu contribuí com uma pequena crônica. Há poemas de Jessier Quirino, Ângelo Rafael, Myriam Fraga e outros. O pesquisador cearense Nirez contribui com um artigo sobre as canções da MPB que mencionam Maria Bonita. Laura Bezerra estuda as imagens de Maria no cinema, Jeová Franklin a sua presença na xilogravura, através do cordel, e André Betonassi estuda as histórias em quadrinhos que a têm como personagem.

Dentro da sempre crescente bibliografia sobre o cangaço, acho que são poucos os livros sobre Maria Bonita. A figura central de Lampião domina esses estudos, e de qualquer maneira a maior parte deles tem um viés histórico e sociológico que os faz ter que abordar o cangaço como um todo, e não pessoas específicas. Entende-se a inesgotável atração da figura de Lampião, seja como herói ou como bandido, como justiceiro social ou como criminoso sádico, como estrategista ou como marqueteiro de si próprio. A polêmica extremada que cerca Virgolino nasce de sua própria personalidade, contraditória como a de qualquer indivíduo de valor projetado numa situação-limite dentro de um ambiente sem lei. Nessas circunstâncias, é de se esperar que um sujeito seja generoso de manhã e brutal no fim da tarde; protetor de uns e algoz de outros. É de se esperar que deixe atrás de si um rastro de ódios e de gratidões.

Maria é um personagem fascinante porque não tem nenhuma dessas facetas de Virgolino. Não conheço histórias de nenhuma violência praticada pessoalmente por ela, a não ser a participação nos combates (minha impressão é confirmada no artigo de Sérgio Augusto de Souza Dantas). Não sei se era estrategista ou diplomata no meio da intrincada rede de negociações políticas e militares da guerrilha sertaneja. Para todos nós, é a figura aventureira da mulher que abandonou a tranquilidade de uma vida doméstica pela vida selvagem na caatinga, onde a única certeza era a morte no final. Este livro se encerra com a presença de Bonita (e do cangaço) na moda. Isto, de certo modo, chancela o último estágio da transformação de uma pessoa em imagem, cada vez mais diferente de si própria e mais parecida com o próprio mito.