quarta-feira, 27 de julho de 2011

2619) O absoluto literário (27.1.2011)



(ilustração: Wolstenholme)

Isaac Newton acreditava que o Tempo era um valor absoluto. Aliás, não só ele – ele e o resto da humanidade, que entendia do assunto menos do que ele. Einstein provou que o Tempo era relativo a cada observador – ou seja, se dois caras fazem trajetos diferentes pelo espaço, para um passam-se cinco anos, para outro passam-se 50. Isso desorientou os cientistas, porque não havia mais uma régua inalterável para medir as coisas.

Vejam conceitos como, p. ex., “qualidade literária”. Muita gente pensa que existe uma Qualidade absoluta, em algum ponto do Universo, servindo de parâmetro, e que livro bom é o que se aproxima daquilo. Quantas vezes já vi gente dizendo algo como: “Ora, mas se um livro é bom e a pessoa acha ele ruim, então a pessoa está errada”. Ou vice-versa.

Eu acho que Qualidade Literária se parece muito com Bolsa de Valores. As empresas cujas ações são negociadas na Bolsa têm algum valor intrínseco, sem dúvida. Não está errado imaginar que a Petrobrás ou a Vale do Rio Doce têm valor maior que o da editora de livros de poesia que funciona no fundo do quintal do meu vizinho. Mas basta haver, digamos, um boato, e as ações dessa empresas milionárias começam a despencar, sem que o seu valor material tenha decrescido um milímetro. Existe portanto um valor intrínseco (o que a companhia possui) e um valor atribuído: o conjunto das expectativas das pessoas sobre a empresa, que as faz correr atrás de suas ações e pagar qualquer preço por elas (quando acham que a empresa vai bem) ou então tentar livrar-se dessas ações o mais rápido possível e por qualquer preço (quando acham que vai mal).

A qualidade da obra de Proust ou de Coelho Neto depende muito disso. São autores que foram contemporâneos, que produziram obras extensas e complexas, e que foram considerados autores importantes quando vivos. Proust morreu em 1922; Coelho Neto em 1934. Desde então, as ações do primeiro se valorizaram sem parar, enquanto as do segundo caíram. Caíram a ponto de quem ler isto perguntar por que diabos eu estou comparando o genial Proust a esse cara de cujos cem livros ninguém ouviu falar.

Pois é. Os cem livros de Coelho Neto estão aí. Um deles, pelo menos (A Conquista, 1899), continuo achando magnífico. Outros são romances fantásticos dignos de leitura e merecedores de uma reedição (Esfinge, 1908; Imortalidade, 1926). Para o leitor de hoje, contudo, Coelho Neto está distante (e Proust está próximo) de um “absoluto literário” que ninguém consegue definir, a não ser usando tautologias (“é um grande escritor porque escreveu grandes livros”) ou o aval alheio (“a crítica inteira diz que ele é genial”). Qualidade deve ter pouco a ver com estilo ou enredos, e sim com um certo carisma verbal. Qualidade Literária é a medida da resposta provocada num público capaz de multiplicar e justificar essa resposta. Sem que isso aconteça, um livro é como uma vela apagada, um ventilador parado, uma ficha que não caiu.