quinta-feira, 30 de junho de 2011

2596) A paranóia de Truman (30.6.2011)



Nos meus momentos de euforia, tenho certeza de que o mundo é falso e só eu sou verdadeiro. Nos meus momentos de depressão, tenho certeza do contrário. Médicos canadenses já perceberam a ocorrência de uma nova doença mental nos últimos anos, que eles chamam de “Síndrome de Truman”, porque parece ter sido deflagrada pelo filme O Show de Truman de Peter Weir. Os indivíduos afetados por essa condição (todos eles homens) afirmam aos seus médicos terem certeza de que estão sendo vítimas de uma enorme conspiração. Sua vida pessoal é transmitida ao vivo para milhões de pessoas, ininterruptamente, e sua família (esposa, filhos, etc.), seus amigos mais próximos, seus colegas de trabalho, são todos atores contratados para representar aqueles papéis. Ou seja, exatamente o que ocorre com o ingênuo Truman Burbank do filme, interpretado por Jim Carrey. (Ver: http://goo.gl/00vvW).

Descontando o fato de que eu penso exatamente isto da minha própria vida, a emergência dessa nova forma de paranóia indica um curioso fenômeno de retroalimentação, de feedback. Certos aspectos paranóicos da realidade geram uma obra de arte que em troca reforça esses aspectos, até que a realidade produz a seguir outra obra ainda mais explícita, aumentando ainda mais a tendência, e assim por diante. Truman Show é um reflexo da obra de Philip K. Dick, cujos romances mostram o tempo inteiro personagens em dúvida quanto à própria identidade (“sou isso mesmo que penso que sou, ou sou outra pessoa que pensa que sou eu?”). Lembrem-se do personagem de Schwarzenegger em O Vingador do Futuro: um operário que para se distrair recebe implantes de memória dizendo que é um espião e nesse momento se lembra que é mesmo um espião, que havia recebido implantes de memória para pensar que era um operário. Será isso mesmo? Qual das duas certezas está certa?

Truman Show chegou a ser processado pelos agentes de Dick, que alegavam plágio a outra obra do escritor, Time Out of Joint, em que um sujeito mentalmente instável (mas importante para o Governo, que está em guerra) é mantido numa cidade artificial cheia de atores que o ajudam a viver uma ilusão pacífica. O filme tornou-se emblemático dessa nova condição moderna, que envolve os seguintes aspectos: 1) perda de privacidade (o mundo está se tornando um Big Brother, estamos sendo o tempo inteiro espionados por alguém); 2) expansão da Sociedade Espetáculo (o exibicionismo público é uma prova crucial de status; queremos ser vistos 24 horas por dia para termos certeza de nossa própria existência); 3) artificialismo e referencialidade no comportamento humano (as pessoas adotam, cada vez mais, modos de ser, falar, vestir, etc. copiados de filmes, comerciais, etc.; tornam-se cada vez mais artificiais e imitativas); 4) divórcio profundo entre o que realmente queremos ser (o Eu profundo) e o que a sociedade nos obriga a ser (o personagem que representamos diante do mundo inteiro).