terça-feira, 21 de junho de 2011

2588) “O Emigrante Amador” (21.6.2011)



Livros de viagens geralmente são uma coisa muito chata, porque a tendência do autor é sair enumerando os museus que visitou, os restaurantes onde comeu, as compras que fez, os pontos turísticos onde se fez fotografar. Aqui e acolá, para suavizar um pouco esse catálogo, conta algum episódio pitoresco, em geral achando graça nos hábitos estranhos da população local. Claro que nem todos são assim. Para redimir o gênero bastaria o díptico de Érico Veríssimo narrando os anos em que viajou como conferencista pelos EUA: Gato Preto em Campo de Neve e A Volta do Gato Preto. Acabei de ler outro título que justifica a existência dessa fórmula: The Amateur Emigrant de Robert Louis Stevenson.

Em 1879 Stevenson, aos vinte e oito anos, apaixonado pela norte-americana Fanny Osbourne (uma mulher mais velha do que ele, mãe de filhos, e em processo de divórcio), embarcou num vapor da Inglaterra para Nova York, e chegando lá pegou um trem para a Califórnia, para ir ao encontro da sua amada. Qualquer namorada ficaria envaidecida com semelhante esforço; mais ainda se lesse depois (como a futura Mrs. Stevenson certamente fez) a espantosa jornada que foi essa viagem, para um sujeito sem muito dinheiro e com a saúde seriamente abalada (chegando à Califórnia Stevenson ficou meses de cama, e quase bate o trinta-e-um).

A edição que li reúne dois textos que de início foram publicados separadamente. “From the Clyde to Sandy Hook” (1879-80) conta a viagem de navio através do Atlântico; a segunda parte, “Across the Plains” (1892) conta a viagem de trem da Costa Leste até a Califórnia, que acabou de arrasar com sua saúde sempre vacilante. Stevenson era de uma família relativamente rica, mas escolheu viajar de segunda classe, em parte porque estava liso (o pai era contra seu namoro com Fanny), e em parte por curiosidade literária. Sua descrição do ambiente do navio, dos tipos humanos, dos episódios patéticos ou pitorescos, é extremamente vívida. (O prefaciador, Jonathan Raban, diz que este é “o melhor livro que ele escreveu”, o que é visivelmente um exagero). A viagem de trem é às vezes de cortar o coração, pela maneira brutal como são tratados os imigrantes. Seria bom ler este livro e ver o filme de Chaplin O Imigrante (1917).

A prosa de Stevenson é vívida, direta, com um olho agudo para detalhes, e um julgamento rápido e preciso dos tipos humanos, comovendo-se com o patético, espantando-se com a pobreza de espírito de uns, simpatizando com a ingenuidade ou a honestidade de outros. Stevenson descreve com grande percepção literária os ambientes; as referências que faz à qualidade da comida e ao cheiro desses lugares é notável. Alguém já disse que qualquer vida humana, bem narrada, daria um grande romance. Livros como este mostram que os grande livros estão dentro dos grandes escritores, e que até um passeio à padaria da esquina pode resultar numa boa obra literária, se for narrado por alguém que saiba escrever.