sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

2477) “CyBorges – The Game” (11.2.2011)




Recebi há cinco dias a versão beta de CyBorges - The Game, o grande lançamento da Orbis Tertius para este ano de 2033. Evidentemente não vivenciei o game por inteiro; o que registro aqui são primeiras impressões. 

A imagem de Jorge Luís Borges mudou muito nas décadas mais recentes. Tido como intelectual, erudito, livresco, ininteligível, o escritor foi redescoberto pelas novas gerações como um gerador de infinitos universos interativos, um metalinguista por excelência, um apostador compulsivo na capacidade re-criativa do leitor. Ou seja: um designer de games, nascido antes do tempo. Um visionário que precedeu a tecnologia adequada aos seus talentos. 

Mas vamos ao jogo. O game contempla as diversas facetas de Borges. 

Borges o descendente de generais (a reconstituição da batalha de Junín tomou-me duas madrugadas inteiras; venci). 

Borges o sedutor (e que grande golpe criativo escolher o visual de suas musas a partir de atrizes de sucesso: Beatriz Viterbo com o visual andaluz de Placeres Montoya; Teodelina Villar com o perfil clássico da francesa Lou d’Hergemont; e Ulrica, surpreendentemente, com as feições da bergmaniana Bibi Andersson). 

Borges o lutador de faca (sugiro ao jogador que escolha a seção do jogo intitulada “Esquina Rosada” quando tiver muito tempo disponível e garantia de não ser interrompido). 

Borges o sabotador do espaçotempo: fui informado de que seções como “O Imortal” ou “Averróis Quest” criam loops escherianos dos quais é impossível emergir. 

A imprensa comentou a ausência do “Aleph”, mas todos sabem que os direitos deste conto foram adquiridos pela Dangerous Multivisions Inc., que continua a anunciar o game para o ano que vem. Paciência; há material literário mais que suficiente no setor “The Forking Paths”, em que nos é dado acesso a um total de 22 contos de Borges reconstituídos em computação gráfica e lidos em voz alta pela voz (digitalizada) de Borges – e os que temerem alguma redundância entre texto e imagem preparem-se para variados tipos de surpresa. 

Alguns críticos se queixaram da falta de uma “narrativa principal” para o game. Ora, tal narrativa é justamente a passagem gradual de um homem do mundo real (simbolizado pela época em que Borges não era cego) para o mundo virtual. (Esses críticos certamente não visitaram a seção “Ruínas Circulares”, concebida numa releitura cyberpunk). 

A fase realista nos dá caminhadas intermináveis (acompanhadas pela voz digitalizada de Estela Canto ou de Maria Ester Vázquez) pelas ruas noturnas de uma Buenos Aires mítica; a fase virtual nos propele a labirintos (o de “Abenjacan El-Bokhari” supera em horror o próprio Alone in the Dark). 

Nada, contudo, iguala a seção “Funes”, onde, após horas de clamores e batalhas, de milongas e de hexágonos, o player se queda diante do próprio rosto em webcam e um som que lhe sugere estar no fundo de um rio, embalado e anulado pela correnteza. 

Cotação: 5 estrelas.