sábado, 11 de dezembro de 2010

2424) “Praça Saens Peña” (11.12.2010)



Tenho visto poucos filmes brasileiros, mas um que me deixou pensativo foi Praça Saens Peña de Vinicius Reis. A Tijuca foi um dos primeiros lugares em que morei no Rio, quando foi inaugurada a estação Saens Peña do metrô. Criei um afeto pelo bairro; e mesmo radicado na Zona Sul, que adoro, sinto-me pessoalmente ofendido sempre que o pessoal da ZS faz piada (e como faz!) com quem é da Zona Norte. Quanto mais você se afasta da Zona Sul, mais o Rio fica parecido com qualquer cidade brasileira. Em geral, quando se diz “o Rio de Janeiro” é apenas uma abreviatura de “a Zona Sul do Rio de Janeiro”. As praias.

O filme de Vinicius Reis fala de pessoas que moram num apartamento apertado, sonhando com casa própria, pagando as contas do mês na ponta do lápis. O marido, Paulo (Chico Diaz) dá aulas num colégio e fica entusiasmado quando uma editora o incumbe de escrever um livro sobre o bairro. Começa a recolher histórias, e a certa altura aparece entrevistando Aldir Blanc, tijucano ilustre. A esposa, Maria Padilha, fica meio jogada para escanteio e acaba tendo um caso com um rapaz cujo apartamento posto à venda ela foi avaliar. A filha única do casal sente o que está se passando e perde o diálogo com os pais.

Raras cenas do filme se passam fora da Tijuca. Tudo é contado de uma maneira intimista, aparentemente banal. O filme fala de droga (um tijucano, interpretado por Guti Fraga, queixa-se de que a polícia invadiu-lhe o apartamento e fuzilou seu filho no meio da casa). Mas a violência não aparece. A não ser, reiteradamente, nas conversas. Isto é realismo. É assim que grande parte dos cariocas vivencia a violência: falando sobre ela, todos os dias.

Uma cena resume o espírito deste tipo de cinema. A mulher casada vai à noite no apartamento do rapaz solteiro. Os dois sentam de lados opostos de uma mesinha pequena, encostados à parede, com uma iluminação meio fraca, ficam tomando cerveja na lata e comendo queijo. Charme zero. O rapaz pega a faca, tira uma fatia de queijo, come, oferece a ela... E os dois vão, para usar uma expressão em voga, “se conhecendo melhor”. É o que os romancistas franceses chamavam de “tranche de vie”, uma fatia de vida, um pedaço intensamente real, pelo menos na minha realidade, que já tomei muitas vezes aquela cerva.

O cinemão, no entanto, se tiver que colocar uma cena de um casal se conhecendo melhor, impõe que seja num colorido bar na praia, ou um restaurante metido a besta com maître de black-tie e champanhe na flauta. A cena do filme de Vinicius Reis me comoveu porque me deu aquela sensação cada vez mais rara no cinema de hoje, de ver algo importante que não é tratado como espetáculo. Que parece uma coisa acontecendo de verdade. Atores, diálogos, luz, gestual, o subtexto implícito empurrando um para o outro... Parece besteira, mas é até um negócio meio amedrontador, porque a gente vê o quanto o cinema pode, quando quer, se aproximar de nossos momentos mais íntimos.