sábado, 13 de novembro de 2010

2400) A palavra forma (13.11.2010)



(foto: Irving Penn)

Alguém duvida que seja esta uma das palavras mais importantes do idioma? É um dos conceitos abstratos mais pervasivos e onipresentes, porque tudo tem forma, tudo que existe existe através de algum tipo de manifestação física ou mental, e essa manifestação tem forma sob algum aspecto. Deus, por exemplo, este amplíssimo conceito que engole todos os demais. A forma de Deus é a totalidade, daí a “boutade” do surrealista Naville, que o chamou “O Grande Imóvel” (pois se Deus é tudo não pode mover-se para outro espaço, pois isto subentenderia que é um espaço além dele próprio). A forma de Deus coincide com a forma do Todo que somos capazes de imaginar, seja ele espiritual, seja ele físico (o Universo, ou o cacho-de-bolhas de todos os Universos físicos possíveis).

Não devemos confundir forma com a palavra fôrma, mesmo que o acento diferencial tenha caído. Uma fôrma é um molde que produz uma forma mas é criado por ela – só se constrói uma fôrma para perpetuar uma forma que, com o uso, se consagrou, e precisa ser mantida e multiplicada. A fôrma é consequência da forma. O mesmo pode se dizer da fórmula, que não passa de uma “fôrma” abstrata, um conjunto de sinais matemáticos ou químicos, que em princípio tem como função produzir o mesmo resultado quando aplicada.

O interessante é que o mesmo conceito se usa em latim como “form-” e em grego como “morph-”, numa inversão sonora cuja nomenclatura e razão de ser deixo aos gramáticos. Mas a consequência desse fato é que a ciência das formas é a morfologia, e a mudança de forma é uma metamorfose.

A palavra ocorre também no uso dos termos formal/informal quando nos referimos ao modo de se comportar ou de se vestir. Quando um jantar ou um traje são formais, isto significa uma expectativa de que correspondam a uma determinada forma, ou maneira de ser. Quando não, tornam-se aquilo que na linguagem informal chamamos de “alavontê”, não há forma prevista, cada um faz como lhe der na telha. Outra derivação muito popular é “formosa”: que tem belas formas.

Uma expressão interessante e muito em uso é “na forma da lei”, ou seja, “exatamente como a lei determina”. Todos sabemos que a lei tem forma (também chamada de “a letra da lei”) e tem espírito, tanto é assim que muitas vezes dizemos que determinado juiz agiu mais de acordo com o espírito da lei do que com a sua forma. Ou seja, o juiz foi capaz de entender em profundidade a intenção de quem criou aquela lei, e de perceber que a formulação por escrito dessa intenção apresentava uma falha, ou uma ambiguidade, ou uma incompletude; e que para ser fiel à ideia seria preciso ir além do texto escrito, mesmo que aparentemente contradizendo-o. Num caso assim, talvez fosse linguisticamente correto dizer que o juiz agiu de acordo com a “forma” da lei (sua intenção original, o pensamento que lhe deu origem) e não com sua “fôrma” (o instrumento concebido para aplicar aquela intenção).