sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

1646) Chuck Berry fields forever (21.6.2008)





Dando prosseguimento ao trabalho de campo para minha tese de doutorado (“Frankensteins Eletrificados: o Rock na Quarta Idade”), fui ver (depois dos shows de Bob Dylan e John Mayall) o show de Chuck Berry no Vivo Rio. 

Foi o show mais idiossincrático dos três. Berry entrou no palco pontualmente às 21:35. Vestindo calça escura, camisa de mangas compridas, vermelho-berrante, cheia de lamê, e um boné branco, parecia um capitão de marujada. A banda tinha um baterista brasileiro (Maguinho) e na guitarra o filho de Berry, que toca bastante bem.

Diz o jornal que CB tem 81 anos, mas as fontes divergem. 

A Encyclopedia of Rock de Nick Logan e Bob Wolfinden afirma que ele nasceu em 18-10-1931. 

A de Jon Pareles e Patricia Romanowski confirma o dia, mas deixa a dúvida: “1926 ou 1931”. 

A Bob Dylan Encyclopedia de Michael Gray diz: “Nascido como Charles Edward Anderson Berry em San Jose, California, em 15 de janeiro ou 18 ou 26 de outubro de 1926”. 

A Beatles Encyclopedia de Bill Harry reitera o ano de 1931. 

A Wikipedia contrapõe: 18 de outubro de 1926... mas diz que ele nasceu em Saint Louis, Missouri. Precisa mais para afirmar que o sujeito é uma Lenda Viva?

Berry pisou no palco visivelmente “triscado”, se bem que eu não acho nada de mais o artista tomar umas caébas antes de começar um show. Entrou meio sem bússola, os dedos sem encontrar as cordas, a guitarra alta demais, o vocal trôpego, pastoso. 

Começou pianinho, com uma das minhas músicas favoritas, “Memphis, Tennessee”. Aos poucos foi esquentando, com os gritos de entusiasmo e os aplausos fervorosos da congregação. Cantou um bolero em espanhol (devia estar se achando em Buenos Aires). Esquentou mais com “Let it Rock”. Os dedos estavam erráticos, mas a guitarra plangente era a mesma de 50 anos atrás.

Fez um contracanto animado com a platéia em “Ding-A-Ling”. Depois vieram “Sweet Little Sixteen”, “In the Wee Wee Hours”, depois um rhythm-and-blues que não identifiquei. Alguém da platéia gritou algo e ele disse: “Yesterday? Adoro essa música. Mas não é uma música minha, é dos Beatles...” Gargalhadas da platéia... e Berry, meio desentoado, cantou a primeira parte de “Yesterday”, sob aplausos gerais. 

Emendou com “Nadine”, um dos rocks anos-50 sobre garotas e carros, depois mais um rock animado e, aos pedidos berrados pela platéia, “Johnny B. Goode”. Foi impressionante: acima das mesas, no recinto escuro, erguiam-se centenas de retangulozinhos azulados e brilhantes. Eram os celulares gravando a cena, que a esta altura já deve estar no YouTube.

O show esquentou a partir daí, e Berry fez o impensável. Havia uma galera dançando diante do palco, e ele chamou todo mundo para cima. Ficaram umas 40 garotas no proscênio, dançando e se exibindo como loucas, e o véi tocando sentado no praticável da bateria. Rock puro. Depois dessa apoteose, como vou me queixar que tenha havido apenas 50 minutos de show? Esperei 50 anos por isso!





1645) Brasil 0x0 Argentina (20.6.2008)



Para a torcida mineira foi uma noite de festa, com “muito samba, muito choro e rock-and-roll”. O rock ficou por conta das bandas mineiras (Skank, Jota Quest). O samba, das batucadas da torcida. E o choro coube aos torcedores favoráveis a Dunga (porque torciam por uma vitória consagradora, que não veio) e aos que lhe são contrários (porque torciam por uma derrota dessas de rolar cabeça de treinador, a qual também não veio).

Não farei comentários técnicos da partida porque confesso que não a vi por inteiro. Ia lá na Globo de vez em quando, mas passei a maior parte do tempo assistindo Jessier Quirino no programa de Fernando Faro, na TV-Cultura. E a poesia de mestre Jessier me dá inspiração para tentar entender o que sucede com a nossa Seleção. Todo mundo na Paraíba conhece aquele número de Jessier sobre o matuto que vai ao cinema mas, como não sabe ler, não entende as legendas, assim como não entende os diálogos em inglês. Isso de maneira alguma o impede de entender o filme, porque ele vê o bandido gritando: “Não-sei-que-lá, não-sei-que-lá, não-sei-que-lá, seu fila da mãe!” Ora, todo mundo sabe o que foi que o cara disse, não é mesmo? Como diria um acadêmico, em exemplos que tais o nível vérbico prima pela superfluidade.

Eu também sou incapaz de entender o que Dunga tanto grita e tanto conversa com nossos jogadores, mas acho que o Brasil inteiro sabe qual é o “não-sei-que-lá” de Dunga. É o velho vocabulário zagueirístico e volântico do nosso futebol atual: “Fecha! Compacta! Cerca! Mata a jogada!”, e que o nosso saudoso Urai condensou numa fórmula perfeita: “Ataia o home, cumpade!” Tenho que ser justo com o treinador e com o time, que desta vez – pressionado e amparado por um Mineirão repleto – tentou jogar, tentou tocar, tentou marcar gols. Teve uma meia dúzia de chances, e pelo menos umas três bolas que mereciam ter entrado. A Argentina também perdeu seus golzinhos, mas francamente, se tivesse feito um deles o resultado seria injusto. Se alguém tinha de ganhar esse jogo tão truncado, seria o Brasil.

A Seleção Brasileira vem, desde a vitória na Copa de 2002, passando por mais remendos, reformas e agruras do que a lata dágua de Jessier Quirino. Parreira conseguiu levantar o melhor elenco possível de craques, mas enredou-se em politicagem, em delírios congratulatórios (os recordes de Cafu e Ronaldo, a tietagem desbragada da mídia brasileira, a logística principesca da CBF, etc.), e acabou amargando um fiasco histórico. Caiu. Ninguém quis sua vaga. Sobrou para Dunga, que pelo menos teve a coragem de estrear na profissão pegando logo de cara o maior rabo-de-foguete que ela oferece.

Fiquemos calmos; o Brasil não deixará de se classificar, nem que tenhamos de subornar um juiz para ganhar a repescagem contra os times da Oceania. Ninguém é besta de fazer uma Copa do Mundo sem o Brasil. Agora, ganhar? Só em 2014, amigos. “Vou-me embora pro passado”, pegando carona no DKW-Vemag de Jessier.

1644) A voz de Deus (19.6.2008)




Numa história indiana, dois vizinhos discutiam por um lote de frutas. A árvore ficava no terreno de um deles, mas seus ramos se projetavam por cima da cerca, de modo que as frutas caíam no terreno ao lado. O primeiro alegava ser dono do lugar de onde vinham as frutas; o outro alegava ser dono do lugar onde elas brotavam e caíam. 

O juiz lhes perguntou: “Querem uma decisão tomada pelos homens, ou por Deus?” Os dois concordaram que a decisão de Deus teria mais credibilidade. O juiz então dividiu as frutas em dois lotes, tendo num deles apenas uma, e no outro todo o restante. 

E sorteou os lotes entre os dois vizinhos.

Este episódio é um entre milhares em que um tribunal humano confessa sua dificuldade em tomar uma decisão justa, e recorre a um sorteio. 

O sorteio surge da noção de que no mundo não existe o Acaso, pois mesmo os acontecimentos mais banais são determinados pela vontade de Deus. O que chamamos de Sorte ou Azar pode nos parecer inexplicável, mas faz parte dos planos divinos. Foi uma decisão dele. 

Não adianta discutir os méritos do resultado, pois, como todas as religiões repisam desde que o mundo é mundo, “os desígnios de Deus são inescrutáveis”.

Talvez por isto os jogos de azar nos despertem uma fascinação tão grande. O baralho, a roleta, o bingo, o bicho, a loteria, tudo isto são cerimônias que concebemos para, lidando com um conjunto nítido e finito de elementos, podermos ficar sabendo com certeza absoluta o que foi que Deus quis que acontecesse, mesmo que jamais percebamos o porquê.

A coisa se complica quando chega no universo tribunalício. Li em num conto de Mark Twain que os esquimós tinham uma maneira prática de saber se um sujeito era culpado ou inocente do crime que lhe atribuíam. Levavam-no para um rio de águas revoltas, e atiravam-no lá de cima. Se ele sobrevivesse, era culpado; se morresse, era inocente. 

Há um vislumbrezinho de lógica nesse sistema – se o sujeito escapava era porque era esperto, e todo sujeito esperto está a um passo de ser desonesto, ou seja, esperto às custas dos outros. Mas convenhamos que para um indivíduo inocente era um tribunal do tipo “cara eu ganho, coroa você perde”.

Quanto ao cara-ou-coroa para conhecer a Decisão Divina, há um episódio curioso ocorrido no Maracanã lá pelos anos 1950, quando o Fluminense e outro clube disputavam uma decisão. Deu empate no jogo e na prorrogação. Não se usava ainda a disputa de pênaltis, e o título seria decidido no cara-ou-coroa. 

O juiz chamou os dois times ao centro do campo, rodeados por radialistas e fotógrafos. Antes da disputa, Pinheiro, capitão do Fluminense, chamou o time de lado e cochichou algumas instruções. 

O juiz jogou a moeda para o alto, estendeu a palma da mão, mas, antes que a apanhasse, os jogadores do Fluminense esbarraram nele, e se espalharam berrando, agitando os braços, abraçando-se, e logo os foguetões pipocavam e o pó de arroz subia. Até hoje ninguém soube qual tinha sido a vontade de Deus.






1643) Um Brasil paraguaio (18.6.2008)




Estou rezando para que o Brasil não se classifique para a Copa do Mundo – e pelo que a Seleção tem jogado, minhas preces serão atendidas sem tardança. Não é por nada. É porque quando vejo nosso time e vejo a Holanda comendo a bola na Eurocopa (3x0 na Itália, 4x1 na França...), meu medo é que na Copa a gente pegue a “Laranja Mecânica” pela frente e sofra uma daquelas “lavagens” de ficar na História, coisa de 6 ou 7x0. Nas eliminatórias, até agora, o Brasil só jogou uma boa partida, quando goleou o Equador por 5x0 no Maracanã. Belo resultado para o “melhor time do mundo”, não é mesmo? Há muito tempo que a Seleção está se transformando num timezinho doméstico, que só joga diante da própria torcida. Parece o Flamengo. Nos campos adversários ela se encolhe, se apequena, e a Comissão Técnica repisa a surrada conversa, típica de time de segunda, de que “o empate lá dentro é um bom resultado”.

Espero que estas minhas palavras sejam exemplarmente desmentidas no jogo de agora, contra a Argentina. Até porque vamos jogar em casa, e contra um adversário que nos últimos anos amarelou sistematicamente contra nosso time. Ainda assim, não vejo como ter muitas esperanças. A rigor, o futebol brasileiro hoje em dia só tem três craques: Ronaldinho Gaúcho, Kaká e Robinho. O santo dos dois primeiros não cruza com o santo do técnico Dunga, isso é claro e evidente. Dunga até hoje não digeriu o lençol que Ronaldinho lhe aplicou num Gre-Nal, anos atrás – e tem razão, porque foi um lençol humilhante, dado por um garoto-revelação em cima do homem que ergueu a Copa do Mundo. O time do Brasil fica, assim na dependência de jogadores como Josué, Julio Baptista, Anderson, Diego, Luís Fabiano... Atletas que seriam ótimos para reforçar a atual equipe do Treze, mas que, vestidos com a camisa da Seleção, soletram a palavra “e-n-t-r-e-s-s-a-f-r-a” com todas as letras.

O jogo de domingo em Assunção pareceu roteirizado pelos inimigos de Dunga, porque nunca as limitações do técnico foram tão evidentes. O Brasil entrou para se defender, rezando para que o Paraguai não furasse sua retranca. Só chutou uma bola no primeiro tempo. No segundo, o Paraguai teve um jogador expulso e ainda assim fez 2x0 com o gordo Cabañas, o carrasco do Flamengo e do Santos. Dunga pôs em campo todos os atacantes de que dispunha. Eram tão numerosos que não se conheciam uns aos outros, a julgar pela sua visível relutância em trocar passes e fazer lançamentos.

Sem craques, sem técnico, sem esquema, o Brasil deve comemorar se se classificar para a Copa de 2010, a qual, aliás, já pode dar por perdida, pois é cada vez mais provável que a de 2014 seja nossa. “Eles” não nos deixarão ganhar duas Copas seguidas, e ao que parece a CBF concorda. Vide o futebol que temos apresentado nas Eliminatórias e nos amistosos; vide o perfil atual da Seleção. Eu vou ali dar um cochilo, e quando começar o primeiro jogo de 2014 vocês me acordem.