quinta-feira, 10 de abril de 2008

0361) Dolores Duran (16.5.2004)




Tito Madi afirmou certa vez que a música de Dolores Duran e a dele próprio eram uma ponte entre a canção romântica de Francisco Alves e a canção da bossa-nova. 

De fato, era tipicamente da bossa-nova a delicadeza verbal e a visualidade das imagens que a gente encontra nas melhores letras de Dolores, como em “Estrada do Sol”, parceria com Tom Jobim: “É de manhã, vem o sol, mas os pingos da chuva que ontem caiu ainda estão a brilhar...” 

A simplicidade com que materializava emoções está destilada nos versos de sua clássica “A noite do meu bem”: “Quero a paz de crianças dormindo, o abandono de flores se abrindo... Quero a alegria de um barco voltando, quero ternura de mãos se encontrando...”

Viveu 29 anos apenas, dedicados à música. Cantora profissional desde cedo, foi “crooner” de orquestra, excursionou pelo mundo. O único CD seu que possuo é da série “2 em 1” e reúne dois elepês intitulados Dolores Duran canta para você dançar, 1 e 2. Dolores canta em inglês (“Only You”), italiano (“Nel blu dipinto di blu”), espanhol (“Que murmuren”), francês (“Viens”). 

Cantou em nordestinense também, pois viveu em plena apoteose do baião, gravando músicas de Luiz Vieira (“Na asa do vento”) e Chico Anysio (“A fia de Chico Brito”).

Sua especialidade, no entanto, eram as músicas de solidão: “Ai, a rua escura, o vento frio... Esta saudade, este vazio... Esta vontade de chorar...” (“Ternura antiga”, parceria com o pianista Ribamar). 

Seu tempo foi um tempo de boates, cigarro, uísque, madrugadas ao pé do piano, boemia pesada num Rio que era feudo masculino. Era baixinha, tinha rosto redondo, feições miúdas. Deve ter experimentado a melancolia que recai sobre as mulheres sem beleza e os homens sem audácia. Escreveu versos que não envelhecerão: “Eu quero qualquer coisa verdadeira: um amor, uma saudade, uma lágrima, um amigo... Ai, a solidão vai acabar comigo” (“Solidão”)

Sem o melodrama bombástico em que tantas vezes se transformam as canções de dor-de-cotovelo, Dolores sabia organizar em palavras nítidas o tumulto mental dos apaixonados: “A gente briga, diz tanta coisa que não quer dizer, briga pensando que não vai sofrer, que não faz mal se tudo terminar...” (“Castigo”). 

Dizem os amigos que, longe de ser a pessoa depressiva que suas músicas sugerem, era alegre, bem-humorada, mas seu romantismo era de um realismo a toda prova: “Eu desconfio que o nosso caso está na hora de acabar: há um adeus em cada gesto, em cada olhar...” (“Fim de caso”).

Nasceu no subúrbio do Irajá, chamava-se Adiléa da Silva Rocha. Morreu em 1959, de parada cardíaca, depois de chegar de uma farra às 7 da manhã. Provavelmente subiu ao céu e, ao bater na porta, continuava com a esperança de que alguém a abrisse dizendo: “Entre, meu bem, por favor... Não deixe o mundo mau lhe levar outra vez. Me abrace, simplesmente: não fale, não lembre, não chore, meu bem.” (“Por causa de você”)